sábado, 30 de janeiro de 2010
Olá!
Ao que parece as nossas temporadas de True Blood têm umas falhas!
Nos livros escritos por Charlaine Harris, os vampiros não podem mudar a cor do cabelo e muito menos podem corta-lo, pois ele volta sempre ao aspecto inicial... Tal como as feridas: são feitas, mas rapidamente saram.
Ora bem...Na 1ª temporada, podemos ver o Eric Northman com cabelo comprido e na segunda temporada ele tem corta o cabelo, e fica com ele do mesmo também. Enquanto que Bill na 1ª temporada tem cabelo quase preto, na 2ª tem cabelo castanho claro.
Mas que falhas, hum?
Bye
Olá!
Tudo?
Bem, como muitos devem saber agora quem não tiver aulas e isso de Terça a Sexta de manhã, pode ver o True Blood na RTP1, à 00.30h ou 1.30h.
Mas, para quem não pode (o que é o meu caso), pode assisti-los, no PC. Basta ter Net...!
Quem quiser ver a 1ª temporada de True Blood completa , clique aqui.
Quem quiser ver a segunda temporada, clique aqui!
Espero que tenham gostado!
Bye!
Etiquetas: Downloads
Olá pessoal!
Hoje trago-vos duas das muitas actrizes que ficariam bem nos papeis de Rose e Lissa.
Vejam se gostam:
Megan Fox - Rose Hathaway
Brittany Snow - Lissa Dragomir
Será que elas ficam bem?
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Oi!
Boas pessoal?
Charlaine Harris vai estar em Portugal!
Dia 12 de Março de 2010 ela virá a Portugal, a convite da Saída de Emergência.
Ela irá se apresentar aos fãs portugueses em Lisboa, no MAXIME, pelas 18h.
Enfim...Para o pessoal do Porto não dá lá muito jeito, mas qualquer dia ela vem cá!
Temos de esperar...
Enquanto isso... Espero que os lisboetas aproveitem bem!!!!
Bj.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Oi!
Pessoal, tenho uma nova noticia para vos dar.
Não sei será boa, ou má!
A partir de agora, não haverá mais "Frase do Dia"...
Mas não desanimem...!
Haverá outro tipo de Frase!
Frase do Mês...! Que tal?
É que é muito dificil vir cá todos os dias, para apenas postar uma frase.
Assim, todos os meses haverá uma e eu posso dedicar-me a outras coisas, em vez de estar à procura de frases todos os dias para preencher a aplicação!
Espero que compreendam!!!!!
Existe um livro novo na Fnac.pt!
Ainda não saiu na loja, mas já o podem adquirir através da pré-venda!
E o mais fixe de tudo é que ao fazerem isso, ainda poderão ganhar mais uma prendinha: Podem ter um livro da saga Luz e Escuridão à escolha!
Parece-me muito bem!!
Aproveitem!
O livro novo chama-se : "O despertar das Trevas".
Agora, leiam a sinopse e vejam se estão realmente interessa (o que devem estar...:p) :
Espero que gostem!!
Até já!
Olá pessoal...Again!!! :b
Já que estamos numa época de "mudanças", porque não alterar o mail, também?
Ora bem... Foi isso mesmo que aconteceu...!
Existe um novo email!
Não é alusivo a nenhuma destas colecções, em especial, mas sim ao principal/geral: Vampiros.
O email é: vampiros.pt@hotmail.com
Ele está no mesmo sitio do outro!
Adicionem e dêem as vossas ideias... Não interessa que sejam criticas, pois assim eu também aprendo!
Até já!
Olá!
Pessoal, o nosso blogue já tem hi5!!
Eu já tinha criado um antes, mas não estava bem, pois o URL era o antigo.
Agora já existe um com os pormenores todos direitinhos!
Para o verem, basta clicar na imagem que está do lado direito em cima!
Espero que gostem!!!!!!!!!
Até já!
Olá pessoal!
Já temos mais uma grande referência, a cerca do segundo livro da Richelle Mead.
FrostBite (ainda não sei como será o titulo em português...xD), sairá em Maio.
Assim que tiver mais novidades, postarei aqui!
Voltarei a tentar comunicar com a Editora e pedirei mais detalhes.
Agora, uma coisa vos garanto: Esses pequenos detalhes demorarão muito tempo a chegar aqui.
Eu falei com eles a aproximadamente um mês. :S
Mas o que interessa que irão haver novidades!!!!
Até já!
domingo, 24 de janeiro de 2010
Olá!
Ontem pessoal, ainda não estava disponível na Fnac o Sangue Oculto, tal como dizia no site.
Eu fui a várias Fnac's e nenhuma tinha esse livro... Apenas tinha o Escolhida como novidade.
No entanto, no NorteShopping há...! Mas só na Bertrand.
Isso eu garanto, pois foi lá que comprei o meu!
Agradeço que compreendam... Eu não sabia mesmo, apenas vi no site.
Peço desculpa àqueles que andaram à procura nas Fnacs...!
sábado, 23 de janeiro de 2010
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Sangue oculto e Escolhida já estão à venda!
1 comentários Publicada por Minima'w da Street à(s) 15:20Oi!
Pessoal, Sangue Oculto (de Charlaine Harris) e Escolhida (P.C. Cast e Kristin Cast) já estão à venda!
Podem adquiri-los na Fnac!!
Daqui a algumas horas já o terei e começarei a pôr frases do Sangue Oculto na "Frase da Semana", portanto para não se sentirem "perdidos" aconselho-vos a comprar os livros dessa colecção!!!!!!!!
Continuação de boa tarde!
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Oi!
Boas pessoal?
É só para informar que a partir de agora o nosso blogue tem um Chat!
Eles está situado no fundo do blogue,pois não existia espaço nas barras (tanto do lado direito, como esquerdo).
Lá podem falar sobre tudo o que quiserem.
Podem falar do blogue (digam o que não gosto para eu poder melhorar!), dos livros que gostam e que não gostam... Mas atenção...! Por favor não dêem muitas informações à cerca dos livros, pois existem pessoal que provavelmente nunca leram e é muito irritante saber logo os pormenores sem saber a história na sua totalidade... Espero que compreendam pessoal!
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Oi!
Hoje vou-me embora, deixando-vos a sinopse de Sangue Oculto...!
Espero que gostem pessoal..e já sabem! Comentem!
"Sookie terminou a sua relação com Bill após considerar que ele a traiu. Um dia, quando sai do trabalho para casa, depara-se com um vampiro nu e desorientado. Rapidamente ela percebe que ele não tem a mínima ideia de quem é nem para onde vai, mas Sookie sabe: ele é Eric e parece tão assustador e sexy - e morto - como no dia em que o conheceu. Mas agora como Eric está com amnésia, torna-se doce e vulnerável, e necessita da ajuda de Sookie - porque seja quem for que lhe tirou a memória, agora quer tirar-lhe a vida. A investigação de Sookie leva-a a uma batalha perigosa entre bruxas, vampiros e lobisomens. Mas pode existir um perigo ou ameaça ainda maior - ao coração de Sookie, porque estando Eric mais gentil e mais doce... é muito difícil resistir."
Espero que tenham gostado e divertido!
Até amanhã!
Oi pessoal!!!
Aqui está o resultado da People's Choice Award!!
Espero que gostem!
Cinema
Melhor Filme - Lua Nova
Melhor Elenco - Saga Crepúsculo
Actor Revelação - Taylor Lautner
Melhor Franquia - Saga Crepúsculo
Melhor Actor - Johnny Depp (Robert Pattinson estava nomeado)
Melhor Actriz - Sandra Bullock (Kristen Stewart estava nomeada)
Televisão
Obsessão Televisiva - Sangue Fresco
Série de Ficção Cientifica/Fantasia - Sobrenatural
Novo Drama Televisivo - Diários do Vampiro
Fonte: Casa da Noite PT
Olá!
Estou um pouco doente, daí a postar noticias agora.
Mas enfim... Aproveito o dia com coisas boas, do género...: True Blood...!
Podem ver a série TrueBlood, agora na RTP1, às Terças, Quartas, Quintas e Sextas, sempre à mesma hora: 00:30h .
Eu só consigo ver às Sextas, mas posso ver noYoutube...É uma boa maneira!!
Não fiquem desanimados se não puderem ver...!
Existem muitos sites onde podem fazer o download dos episódios!
Agora...Vejam uma "amostra" do que irão ver:
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Olá!
Boas tardes!
A partir de hoje teremos uma nova opção no blogue.
A "Frase do dia..." !
Como o próprio nome diz, todos os dias teremos uma nova frase, por isso todos os dias eu virei aqui!!
...eu tirei a ideia do blogue da casa da noite, por isso se não gostarem enviem uma mensagem para o email!!!
Adeus!
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Segundo Capítulo de Sange Fresco...e ultimo!
0 comentários Publicada por Minima'w da Street à(s) 18:56Ora aqui está o segundo e ultimo capitulo do Sangue Fresco.
Pois... O ultimo...Quem quiser continuar a este livro terá de comprá-lo!
Espero que gostem!!!
ATENÇÃO!
ESTE CAPÍTULO É MUITO GRANDE!
2
meu alívio, descobri que a avó dormia quando cheguei e pude
enfiar‑me na cama sem a acordar.
Bebia uma chávena de café sentada à mesa da cozinha e a avó limpava
a despensa quando o telefone tocou. Vi‑a sentar‑se num banco junto à
bancada antes de atender. Era o seu habitual posto de conversa.
— Estou? — disse. Por algum motivo, soava sempre desagradada,
como se um telefonema fosse a última coisa que queria. Sabia que não
era o caso.
— Olá, Everlee. Não, estou aqui sentada a falar com a Sookie.
Acaba de acordar. Não, não sei das notícias. Não, ninguém me ligou. O
quê? Qual tornado? Ontem à noite o céu estava limpo. Em Four Tracks
Corner? Sim? Não! Não pode ser! A sério? Os dois? Hmm… O que
disse o Mike Spencer?
Mike Spencer era o médico‑legista do condado. Comecei a sentir‑me
ansiosa. Terminei o café e voltei a encher a chávena. Achei que
precisaria.
A avó desligou um minuto depois.
— Sookie, não vais acreditar no que aconteceu!
Estava disposta a apostar o contrário.
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— O que foi? — perguntei, tentando não parecer culpada.
— Mesmo que o tempo parecesse calmo ontem à noite, parece
que houve um tornado em Four Tracks Corner! Virou do avesso a caravana
na clareira. O casal que lá vivia morreu. Ficaram os dois presos
por baixo da caravana e acabaram esmagados. O Mike diz que nunca
viu nada assim.
— Vai mandar autopsiar os corpos?
— Acho que tem de o fazer, apesar de a causa da morte parecer
clara, de acordo com a Stella. A caravana estava de lado e o carro ficou
por cima dela. As árvores em redor foram arrancadas.
— Meu Deus — sussurrei, pensando na força necessária para preparar
uma encenação daquele nível.
— Querida, não me contaste se o teu amigo vampiro foi ao bar
ontem à noite.
Dei um salto culpado, percebendo tarde demais que a avó tinha
mudado de assunto. Perguntava‑me todos os dias se tinha visto o Bill e,
finalmente, podia dizer‑lhe que sim, mas não de ânimo leve.
Previsivelmente, ficou eufórica. Saltitou pela cozinha como se o
convidado fosse o Príncipe Carlos.
— Amanhã à noite. A que horas vem? — perguntou.
— Depois de anoitecer. É tudo o que sei.
— Estamos em horário de Verão. Será muito tarde — considerou.
— Óptimo. Teremos tempo para jantar e para arrumar tudo. E teremos
todo o dia para limpar a casa. Acho que não limpo aquela carpete há
um ano!
— Avó, estamos a falar de um tipo que passa o dia a dormir debaixo
do chão — recordei. — Duvido que repare na carpete.
— Se não o fizer por ele, faço‑o por mim, para me sentir orgulhosa
— contrapôs, com firmeza. — Além disso, minha menina, como
sabes tu onde dorme?
— Boa pergunta, avó. Não sei. Mas tem de se abrigar da luz do sol
num local seguro. É esse o meu palpite.
Percebi que nada a impediria de embarcar num frenesim de
esmero doméstico. Enquanto me preparava para o trabalho, foi à
mercearia alugar uma máquina de lavagem de carpetes e iniciou a
tarefa.
A caminho do Merlotte’s, fiz um desvio para norte e passei por
Four Tracks Corner. Era um cruzamento tão antigo como o povoamento
da área. Estava alcatroado e com sinais de trânsito, a tradição
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local dizia que era a intersecção de dois caminhos de caça. Mais cedo
ou mais tarde, haveria casas de tipo rústico e centros comerciais a rodear
as estradas, mas, por enquanto, era uma zona arborizada e, de
acordo com Jason, a caça ainda era boa.
Porque não havia nada que me impedisse, segui pelo caminho
que conduzia à clareira onde se situara a caravana alugada pelos Rattray.
Parei o carro e olhei pelo pára‑brisas, aterrorizada. A caravana,
muito pequena e velha, estava esmagada a três metros da localização
original. O carro amolgado continuava sobre os restos da casa móvel.
Arbustos e escombros cobriam a clareira e a floresta por trás da caravana
revelava sinais da passagem de uma grande força. Havia ramos quebrados
e o topo de um pinheiro pendia por um filamento de madeira.
Havia roupa nos ramos e até uma frigideira.
Saí lentamente e olhei em redor. Os estragos eram simplesmente
inacreditáveis, sobretudo porque sabia que não tinham sido provocados
por um tornado. O vampiro Bill encenara aquilo para explicar as
mortes.
Um velho jipe avançou pela estrada e parou junto a mim.
— Sookie Stackhouse! — chamou Mike Spencer. — Que fazes
aqui, rapariga? Não tens de ir trabalhar?
— Sim, senhor. Conhecia as Ratazan… os Rattray. Que coisa horrível.
— Achei que aquilo seria suficientemente ambíguo. Via que Mike
vinha acompanhado pelo xerife.
— Uma coisa horrível, sim. Bom… ouvi dizer — disse o xerife
Bud Dearborn, saindo do jipe — que tu, Mack e Denise não foram
muito amigos no parque de estacionamento do Merlotte’s na semana
passada.
Senti um arrepio frio algures à altura do fígado enquanto os dois
homens se posicionavam à minha frente.
Mike Spencer geria uma das duas agências funerárias de Bon
Temps. Como costumava dizer, todos podiam ser sepultados pela
Agência Funerária Spencer and Sons, mas parecia que apenas os brancos
o desejavam. De igual modo, apenas gente de cor desejava ser sepultada
pela Sweet Rest. Mike era um homem pesado de meia‑idade,
com cabelo e bigode da cor do chá fraco e uma predilecção por botas
de vaqueiro e gravatas de cordel, coisas que não podia usar quando
estava de serviço na Spencer and Sons. Usava‑as naquele momento.
O xerife Dearborn, que tinha reputação de ser um bom homem,
era um pouco mais velho do que Mike, mas estava em boa forma e era
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duro desde o cabelo grisalho espesso até aos sapatos pesados. Tinha
uma face abatida e olhos castanhos e agitados. Fora bom amigo do
meu pai.
— Sim, senhor. Tivemos um desentendimento — disse, com
franqueza, na minha voz mais caseira.
— Queres contar‑me o que se passou? — O xerife puxou por um
Marlboro e acendeu‑o com um isqueiro de metal liso.
E eu cometi um erro. Devia ter‑lhe contado. Tinha fama de maluca
e muitos também me achavam simplória. Mas não conseguia encontrar
motivo para me justificar a Bud Dearborn. Nenhum motivo
além do bom‑senso.
— Porquê? — perguntei.
Os seus olhos pequenos pareceram subitamente alerta e o ar
amistoso desapareceu.
— Sookie — disse, com desilusão na voz. Não me convenceu por
um minuto que fosse.
— Não fui eu que fiz isto — continuei, acenando com a mão sobre
a destruição.
— Pois não — concordou. — Mas, de qualquer forma, morreram
na semana a seguir a uma luta contigo. Parece‑me que devo fazer perguntas.
Considerei a possibilidade de lhe enfrentar o olhar. Far‑me‑ia
sentir bem, mas achei que não valeria a pena. Tornava‑se aparente que
uma reputação de falta de inteligência podia ser útil.
Posso não ter grande escolaridade ou experiência de vida, mas
não sou estúpida nem ignorante.
— Estavam a magoar o meu amigo — confessei, deixando cair a
cabeça e fitando os sapatos.
— Referes‑te ao vampiro que vive na velha casa dos Compton? —
Mike Spencer e Bud Dearborn trocaram olhares.
— Sim, senhor. — Surpreendeu‑me ouvir onde Bill vivia, mas
eles não o perceberam. Após anos a não reagir a coisas que ouvia e que
preferia não saber, adquiri grande controlo da minha expressão facial.
A velha casa dos Compton situava‑se perto da nossa, do outro lado
de um campo, do mesmo lado da estrada. Entre as duas casas, havia
apenas o cemitério e a floresta. Sorrindo, pensei que era uma excelente
localização para Bill.
— Sookie Stackhouse, a tua avó deixa‑te passar o tempo com esse
vampiro? — perguntou Spencer, de forma imbecil.
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— Pode falar com ela sobre isso — sugeri, com malícia, mal podendo
esperar para ouvir o que a avó diria quando alguém insinuasse
que não cuidava de mim da melhor forma. — Sabem que os Rattray
tentavam drenar o Bill?
— O vampiro estava a ser drenado pelos Rattray? E tu impediste‑os?
— questionou o xerife.
— Sim — respondi, tentando parecer decidida.
— A drenagem de vampiros é ilegal — reflectiu.
— Não é homicídio matar um vampiro que não nos atacou? —
perguntei.
É possível que tenha levado a ingenuidade longe demais.
— Sabes perfeitamente que sim, apesar de não concordar com
essa lei. Mas é a lei e vou garantir o seu cumprimento — disse o xerife,
assumindo uma postura rígida.
— Então o vampiro deixou‑os partir sem jurar vingança? Sem
sequer dizer que desejava a sua morte? — Mike Spencer não conseguia
evitar ser estúpido.
— Exactamente. — Sorri a ambos e olhei para o relógio. Recordei o
sangue que o cobrira, o meu sangue, resultado do espancamento aplicado
pelos Rattray. Precisei de limpar o sangue para ver as horas. — Desculpem,
mas tenho de ir trabalhar — disse. — Adeus, Sr. Spencer. Xerife.
— Adeus, Sookie — disse o xerife Dearborn. Pareceu ter mais a
perguntar‑me, mas não conseguia pensar na melhor forma de formular
as perguntas. Percebia que não estava inteiramente satisfeito com o
aspecto das coisas e duvidei que algum radar tivesse captado um tornado.
De qualquer forma, ali estava a caravana, ali estava o carro, as
árvores e os Rattray tinham sido encontrados sem vida por baixo de
tudo. Que outra conclusão poderia tirar‑se além de que fora um tornado
a matá‑los? Calculei que os corpos tivessem sido enviados para
autópsia e questionei‑me sobre o que poderia ser aprendido por tal
procedimento dentro das circunstâncias.
A mente humana é uma coisa espantosa. O xerife Dearborn deveria
saber que os vampiros são muito fortes. Mas não conseguia imaginar
até que ponto. Suficientemente fortes para voltar uma caravana
e para a esmagar. Até a mim me custava compreender e sabia perfeitamente
que não tinha passado nenhum tornado por Four Corners.
Havia no bar um zumbido constante alimentado pela notícia das
mortes. O homicídio de Maudette fora remetido para segundo lugar
pela morte de Denise e Mack. Apanhei Sam a olhar‑me algumas vezes
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e pensei na noite anterior e no que saberia realmente. Mas tinha medo
de perguntar, existindo a possibilidade de não ter visto nada. Sabia que
eu própria não conseguia explicar alguns dos acontecimentos da noite
anterior, mas estava tão grata por estar viva que me impedi de pensar
no assunto.
Nunca sorri tanto enquanto servia bebidas. Nunca fui tão rápida
a fazer trocos. Nunca fui tão rigorosa na recolha de pedidos. Nem
mesmo Rene conseguiu que eu abrandasse, apesar de insistir em arrastar‑me
para as suas longas conversas sempre que me aproximava da
mesa que partilhava com Hoyt e com outro amigo.
Por vezes, Rene desempenhava o papel de cajun maluco, ainda
que a pronúncia cajun que pudesse ter fosse fingida. A sua família permitira
que a herança cultural se diluísse. Todas as suas mulheres tiveram
vidas duras e atribuladas. O breve casamento com Arlene acontecera
quando era jovem e ainda não tinha filhos e ela contara‑me que,
ocasionalmente, fizera coisas nesse período que a arrepiavam quando
pensava no assunto. Crescera desde então, mas Rene não. Arlene gostava
realmente dele, para meu espanto.
Todos os clientes do bar estavam emocionados nessa noite pelos
acontecimentos invulgares em Bon Temps. Uma mulher fora assassinada
de forma misteriosa. Habitualmente, os homicídios em Bon
Temps eram facilmente desvendados. E um casal tivera morte violenta
devido a um fenómeno natural inesperado. Atribuí a essa excitação o
que aconteceu a seguir. Era um bar familiar, por onde passavam regularmente
alguns forasteiros e nunca tive grandes problemas com atenções
exageradas. Mas, nessa noite, um dos homens sentados na mesa
ao lado de Rene e Hoyt, um tipo louro pesado com uma cara larga e
avermelhada, fez subir a mão até à bainha dos meus calções enquanto
lhes trazia cerveja.
Isso não é bem visto no Merlotte’s.
Pensei em atingi‑lo na cabeça com o tabuleiro quando senti a
mão a ser afastada. Senti alguém de pé atrás de mim. Voltei‑me e vi
Rene, que se levantara da cadeira sem que eu desse por isso. Segui o seu
braço e vi que agarrava a mão do louro e a apertava. A cara vermelha
do outro mudava de cor.
— Ei! Larga‑me! — protestou. — Não fiz por mal.
— Não tocas em ninguém que trabalhe aqui. É essa a regra. —
Rene pode ser baixo e magro, mas todos apostariam no rapaz local
contra o forasteiro.
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— Está bem.
— Pede desculpa à senhora.
— À Sookie Maluca? — Havia incredulidade na voz. Devia ter
vindo ao bar antes.
Rene deve ter aumentado o aperto. Vi lágrimas nos olhos do louro.
— Desculpa, Sookie. Está bem?
Acenei com a cabeça tão sobriamente quanto consegui. Rene
largou abruptamente a mão do louro e, apontando com um polegar,
mandou‑o pôr‑se a andar. O louro não perdeu tempo a sair porta fora.
Os acompanhantes seguiram‑no.
— Rene, devias ter‑me deixado lidar com isto — disse‑lhe, em
voz baixa, quando os clientes pareceram retomar as suas conversas.
Conseguíramos alimentar a máquina de boatos com material
suficiente para um par de dias. — Mas agradeço‑te por me teres
defendido.
— Não quero que ninguém se meta com a amiga da Arlene —
disse Rene, sem rodeios. — O Merlotte’s é um sítio agradável e todos
queremos que continue assim. Além disso, por vezes, fazes‑me lembrar
a Cindy.
Cindy era a irmã de Rene. Mudara‑se para Baton Rouge um ano
ou dois antes. Era loura e tinha olhos azuis. Além disso, não conseguia
lembrar‑me de outra semelhança. Mas não seria educado dizê‑lo.
— Vês a Cindy muita vez? — perguntei.
Hoyt e o outro homem sentado à mesa trocavam resultados e estatísticas
dos Shreveport Captains.
— De vez em quando — respondeu Rene, abanando a cabeça,
como se quisesse dizer que gostaria que acontecesse com maior frequência.
— Trabalha na cafetaria de um hospital.
Pousei‑lhe a mão sobre o ombro.
— Tenho de voltar ao trabalho.
Quando cheguei ao balcão para receber o pedido seguinte, Sam
ergueu‑‑me as sobrancelhas. Arregalei‑lhe os olhos para mostrar como
a intervenção de Rene me tinha surpreendido e vi‑o encolher brevemente
os ombros, como se dissesse que o comportamento humano não
tinha explicação.
Mas, quando fui atrás do balcão para me abastecer de guardanapos,
reparei que tinha tirado para fora o taco de basebol que guardava
junto à caixa registadora para utilização em emergências.
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A avó manteve‑me ocupada durante todo o dia seguinte. Limpou o pó,
aspirou e esfregou o chão enquanto eu lavava as casas de banho. Pensei
se os vampiros iriam à casa de banho enquanto passava a escova pela
sanita. A avó exigira que aspirasse o pêlo de gato do sofá. Despejei todos
os cestos de lixo. Poli todas as mesas. Até limpei a máquina de lavar
e secar. Por amor de Deus.
Quando me ordenou que tomasse banho e mudasse de roupa,
percebi que via o vampiro Bill como sendo um potencial namorado
meu. Isso fez‑me sentir um pouco estranha. Por um lado, a avó estava
tão desesperada por me ver ter vida social que até um vampiro conseguia
ser um candidato apetecível. Por outro, havia alguns sentimentos
que apoiavam essa ideia. Além disso, Bill poderia perceber tudo aquilo.
E os vampiros conseguiriam fazê‑lo da mesma forma que os humanos?
Tomei banho, maquilhei‑me e pus um vestido, sabendo que a avó
teria uma crise se não o fizesse. Era um pequeno vestido de algodão
com margaridas estampadas. Era mais justo do que a avó gostaria e
mais curto do que Jason considerava próprio para a sua irmã. Ouvira o
comentário da primeira vez que o usara. Pus os meus brincos de bola
amarela e prendi o cabelo atrás com uma travessa da mesma cor que o
mantinha no sítio sem grande constrangimento.
A avó olhou‑me com estranheza, de uma forma que não consegui
interpretar. Podia descobrir facilmente se ouvisse o que pensava, mas
seria algo horrível de se fazer à pessoa com quem vivia e tive o cuidado
de me conter. Ela usava uma saia e uma blusa que levava com frequência
às reuniões dos Descendentes dos Mortos Gloriosos. O conjunto
não era suficientemente requintado para a igreja, mas também não era
suficientemente simples para o uso quotidiano.
Varria o alpendre da frente, algo que me esquecera de fazer,
quando ele chegou. Fez uma entrada de vampiro. Um minuto antes,
não estava lá e, no seguinte, ali estava ele, de pé ao fundo dos degraus,
olhando‑me.
Eu sorri.
— Não me assustaste — disse‑lhe.
Pareceu algo embaraçado.
— É o hábito — justificou‑se. — Habituei‑me a aparecer assim.
Não faço muito barulho.
Abri a porta.
— Entra — convidei. E subiu os degraus, olhando em redor.
— Lembro‑me disto — disse. — Mas não era tão grande.
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— Lembras‑te desta casa? A avó vai adorar sabê‑lo. — Caminhei
à sua frente até à sala de estar, chamando a avó pelo caminho.
Entrou de forma digna e percebi que, pela primeira vez, esmerara‑se
com o cabelo branco espesso, penteado e ordeiro para variar,
rodeando‑lhe a cabeça numa espiral complexa. Também tinha
posto baton.
Bill revelou ser tão conhecedor de preceitos sociais como a minha
avó. Saudaram‑se, agradeceram um ao outro, elogiaram‑se e, finalmente,
Bill acabou por se sentar no sofá. Depois de trazer um tabuleiro
com três copos de chá de pêssego, a avó sentou‑se no cadeirão, deixando
claro que deveria instalar‑me perto de Bill. Não havia forma de
escapar sem ser ainda mais óbvia e, por isso, sentei‑me a seu lado, mas
próxima do limite do sofá, como se, a qualquer momento, pretendesse
levantar‑me para voltar a encher o seu copo com chá frio de pêssego,
destinado apenas a manter as aparências.
Por cortesia, tocou o bordo do copo com os lábios e voltou a pousá‑lo.
Eu e a avó bebíamos grandes goles nervosos dos nossos.
A avó escolheu iniciar a conversa pelo assunto menos adequado.
— Creio que terá ouvido falar do estranho tornado — disse.
— Que aconteceu? — perguntou Bill, com uma voz suave como
seda. Não me atrevi a olhá‑lo, permanecendo sentada com as mãos
unidas e os olhos postos nelas.
A avó falou‑lhe do bizarro tornado e da morte das Ratazanas.
Contou‑lhe que tudo aquilo parecia horrível, mas poupou pormenores
e achei que Bill se descontraiu um pouco.
— Passei por lá ontem a caminho do trabalho — disse eu, sem
erguer o olhar. — Pela caravana.
— Achaste que tinha o aspecto que esperavas? — perguntou Bill,
notando‑se apenas curiosidade na voz.
— Não — respondi. — Não esperava nada daquilo. Fiquei realmente…
espantada.
— Sookie, já viste os estragos provocados por outros tornados? —
disse a avó, surpresa.
Mudei de assunto.
— Bill, onde arranjaste essa camisa? Fica‑te bem. — Vestia calças
informais de cor caqui e uma camisa de golfe com riscas verdes e castanhas.
Calçava mocassins brilhantes e meias finas castanhas.
— Na Dillard’s — disse. Tentei imaginá‑lo no centro comercial
em Monroe, com as pessoas a voltarem‑se para olhar aquela criatura
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exótica com a sua pele reluzente e olhos magníficos. Onde conseguiria
o dinheiro para pagar as compras? Como lavaria a roupa? Deitar‑se‑ia
nu no caixão? Teria um carro ou limitar‑se‑ia a flutuar?
A avó ficou agradada com a normalidade dos hábitos de consumo
de Bill. Voltou a perturbar‑me perceber como lhe agradava ver o
meu suposto pretendente na sua sala de estar, mesmo que (de acordo
com a literatura popular) tivesse sido vitimado por um vírus que o
fazia parecer morto.
Iniciou o interrogatório. Bill respondeu‑lhe com delicadeza e
aparente boa vontade. Podia estar morto, mas era um cadáver educado.
— A sua família era desta região? — quis saber.
— O meu pai era um Compton e a minha mãe era Loudermilk
—
esclareceu prontamente Bill. Parecia bastante descontraído.
— Ainda existem muitos Loudermilk — explicou a avó, com entusiasmo.
— Mas receio que o velho Sr. Jessie Compton tenha morrido
no ano passado.
— Eu sei — disse Bill. — Foi por isso que regressei. A terra reverteu
para a minha posse e, porque as coisas mudaram na nossa cultura
relativamente à aceitação de pessoas com as minhas características
particulares, decidi reclamá‑la.
— Conhecia os Stackhouse? A Sookie diz que tem uma história
longa. — Pareceu‑me que a avó tinha posto a questão da melhor forma.
Sorri, sem desviar o olhar das mãos.
— Lembro‑me de Jonas Stackhouse — disse Bill, para deleite da
avó. — A minha gente estava aqui quando Bon Temps era apenas um
lugarejo na berma da estrada, junto à fronteira. Jonas Stackhouse mudou‑se
com a mulher e os quatro filhos quando eu era um jovem de
dezasseis anos. Esta casa não foi construída por ele? Pelo menos em
parte?
Reparei que, quando Bill pensava no passado, a sua voz adquiria
uma cadência diferente e o vocabulário alterava‑se. Pensei nas mudanças
de coloquialismos e pronúncia que teriam afectado o seu inglês ao
longo do século passado.
A avó deu consigo no paraíso da genealogia. Quis saber tudo sobre
Jonas, o antepassado do seu marido.
— Tinha escravos? —
perguntou.
— Minha senhora, se bem me lembro, tinha uma escrava doméstica
e um escravo de campo. A escrava doméstica era uma mulher de
meia‑idade e o escravo de campo era um jovem muito grande, muito
49
forte, chamado Minas. Mas os Stackhouse trabalhavam as suas terras.
Tal como a minha família.
— É precisamente esse tipo de coisa que o meu pequeno grupo
adoraria ouvir! A Sookie disse‑lhe… — Após muita troca de cortesias,
a avó acordou com Bill uma data para falar numa reunião nocturna
dos Descendentes.
— E agora, se mo permitir, gostaria de dar um passeio com a
Sookie. Está uma linda noite. — Lentamente, para que tivesse tempo
de ver o gesto, aproximou a mão e segurou a minha, erguendo‑se e
fazendo‑me acompanhá‑lo. A sua mão era fria, dura e suave. Não estava
realmente a pedir a permissão da avó, mas também não impunha
a sua vontade.
— Vão dar o vosso passeio — disse a avó, transbordando de felicidade.
— Tenho muita coisa a pesquisar. Terá de me dizer todos os
nomes de gente local que recordar do tempo em que esteve… — e hesitou,
não querendo dizer nada que fosse indelicado.
— Em que esteve a residir em Bon Temps — sugeri, evitando o
embaraço.
— Claro — disse o vampiro. E consegui perceber pela forma
como comprimiu os lábios que tentava não sorrir.
De alguma forma, chegámos à porta e percebi que Bill me tinha
erguido e movido com rapidez. Sorri com convicção. Agradava‑me o
inesperado.
— Não demoramos — disse à avó. Pareceu‑me que não tinha notado
a deslocação invulgar, ocupada que estava a reunir os copos de
chá.
— Não tenham pressa por mim —
disse. — Fico bem entregue.
Lá fora, as rãs, os sapos e os insectos interpretavam a sua ópera
campestre nocturna. Bill continuou a segurar‑me a mão enquanto passávamos
ao quintal, perfumado pelo cheiro da relva acabada de cortar
e das flores em botão. Tina, a minha gata, aproximou‑se das sombras
e pediu festas. Curvei‑me e cocei‑lhe a cabeça. Para minha surpresa,
roçou‑se pelas pernas de Bill, uma atitude que ele não fez nada para
desencorajar.
— Gostas deste animal? — perguntou, com voz neutra.
— É a minha gata — disse. — Chama‑se Tina e gosto muito dela.
Sem comentários adicionais, Bill manteve‑se quieto, esperando
que Tina regressasse à escuridão, longe do alcance da luz do alpendre.
— Gostarias de te sentar no baloiço, nas cadeiras de jardim ou
50
preferes caminhar? — perguntei, sentindo que o papel de anfitriã me
fora transferido.
— Vamos caminhar um pouco. Preciso de esticar as pernas.
De alguma forma, aquela afirmação perturbou‑me, mas comecei
a percorrer o longo caminho em direcção à estrada que passava à frente
das casas de ambos.
— A caravana assustou‑te?
Tentei pensar na melhor forma de o dizer.
— Sinto‑me muito… hmm… frágil. Quando penso na caravana.
— Sabias que sou forte.
Inclinei a cabeça, pensando no assunto.
— Sim, mas não percebi até que ponto — disse‑lhe. — E também
não percebi o alcance da tua imaginação.
— Ao longo dos anos, tornamo‑nos bons a esconder o que fazemos.
— Calculo que tenhas matado muitas pessoas.
— Algumas. — O tom de voz indicava‑me que devia aprender a
lidar com o assunto.
Uni as mãos atrás das costas.
— Sentiste mais fome logo após te tornares um vampiro? Como
aconteceu?
Não esperava aquilo. Olhou‑me. Sentia o seu olhar em mim, apesar
de estarmos na escuridão. A floresta rodeava‑nos. Os nossos pés
pisavam a gravilha.
— Quanto à forma como me tornei um vampiro, é uma história
demasiado longa para contar neste momento — disse. — Mas sim,
quando era mais jovem, matei por acidente nalgumas ocasiões. Nunca
sabia ao certo quando poderia voltar a alimentar‑me, compreendes?
Éramos constantemente caçados, claro, e não havia sangue artificial.
Além disso, não havia tanta gente como agora. Mas fui um bom homem
em vida… Ou seja, antes de contrair o vírus. Esforcei‑me por ser
civilizado, escolhendo pessoas más como vítimas e nunca me alimentando
de crianças. Consegui, pelo menos, nunca matar uma criança.
Agora é muito diferente. Posso visitar a clínica nocturna em qualquer
cidade e conseguir algum sangue sintético, apesar de ser repelente. Ou
posso pagar a uma prostituta para conseguir o sangue suficiente para
aguentar um par de dias. Ou posso encantar alguém para que me deixem
morder por amor, esquecendo tudo em seguida. Já não preciso de
tanto como outrora.
51
— Ou podes conhecer uma rapariga com ferimentos na cabeça
— disse.
— Ah. Tu foste apenas a sobremesa. Os Rattray foram o prato
principal.
Lida com isso.
— Uau — disse, sentindo‑me sem fôlego. — Dá‑me um minuto.
E assim fez. Nenhum outro homem me teria permitido aquele
tempo sem falar. Abri a mente, baixei a guarda por completo e
descontraí. O seu silêncio envolveu‑me. Mantive‑me de pé, fechei os
olhos, absorvi o alívio demasiado profundo para ser expresso por
palavras.
— Sentes‑te feliz agora? — perguntou, como se conseguisse percebê‑lo.
— Sim — expirei. Nesse momento, senti que não importava o que
a criatura a meu lado tivesse feito. Aquela paz não tinha preço depois
de uma vida de intromissão de mentes alheias na minha.
— Também te sinto bem — disse, surpreendendo‑me.
— De que forma? — perguntei, lenta e sonhadora.
— Sem medo, sem pressa, sem condenação. Não preciso de te
encantar para te deixar quieta, para ter uma conversa contigo.
— Encantar?
— Uma espécie de hipnotismo — explicou. — Todos os vampiros
o fazem, de uma forma ou de outra. Porque, para nos alimentarmos,
antes de desenvolverem o sangue sintético, precisávamos de persuadir
as pessoas de que éramos inofensivos… ou de as fazer pensar que não
nos tinham visto… ou de as iludir, fazendo‑as pensar que tinham visto
outra pessoa qualquer.
— Funciona comigo?
— Claro — disse, parecendo chocado.
— Então tenta.
— Olha para mim.
— Está escuro.
— Não importa. Olha para a minha cara. — E pôs‑se à minha
frente, pousando levemente as mãos sobre os meus ombros e olhando‑me.
Conseguia ver o brilho ténue da sua pele e dos olhos e devolvi‑lhe
o olhar, pensando se começaria a cacarejar como uma galinha
ou a despir‑me.
Mas… não aconteceu nada. Senti apenas a descontracção quase
narcótica da sua presença.
52
— Consegues sentir a minha influência? — perguntou. Parecia
ligeiramente ofegante.
— Nada. Lamento — disse, humildemente. — Apenas te vejo
brilhar.
— Consegues ver isso? — Voltei a surpreendê‑lo.
— Claro. Os outros não?
— Não. É estranho, Sookie.
— Se o dizes. Posso ver‑te levitar?
— Aqui? — Bill pareceu divertido.
— Claro. Porque não? A não ser que haja um motivo.
— Não. Não há nenhum motivo.
Largou‑me os braços e começou a subir.
Suspirei, fascinada. Flutuou na escuridão, brilhando como mármore
branco ao luar. Quando estava quase a um metro do chão, deixou‑se
pairar. Pareceu‑me que me sorria.
— Todos conseguem fazer o mesmo? — perguntei.
— Consegues cantar?
— Não. Não consigo afinar.
— Também não conseguimos fazer as mesmas coisas. — Desceu
lentamente e aterrou sem ruído. — A maioria dos humanos receia os
vampiros. Tu pareces não ser assim — referiu.
Encolhi os ombros. Porque haveria de recear algo fora do normal?
Pareceu perceber porque, depois de uma pausa que aproveitámos
para recomeçar a andar, disse:
— Sempre foi difícil?
— Sim, sempre. — Não podia dizer outra coisa, apesar de não
querer lamentar‑me. — Quando era muito pequena, era pior porque
não sabia como me proteger e, obviamente, ouvia pensamentos que
não devia ouvir, repetindo‑‑os como as crianças repetem as coisas que
ouvem. Os meus pais não sabiam o que fazer de mim. Era sobretudo o
meu pai a sentir‑se embaraçado. A minha mãe acabou por me levar a
uma psicóloga infantil que percebeu imediatamente o que era, mas não
conseguia aceitá‑lo e tentou partilhar uma teoria alternativa com os
meus pais. Lia a sua linguagem corporal e era muito observadora. Por
isso, pensava ser capaz de ouvir os pensamentos alheios. Claro que não
podia admitir que ouvia literalmente os pensamentos alheios porque
isso não encaixava no seu mundo. Dei‑me mal com a escola porque me
era muito difícil concentrar quando poucos o faziam. Mas, quando havia
testes, conseguia notas muito altas porque todos os outros miúdos
53
se concentravam no seu trabalho… isso permitia‑me algum descanso.
Por vezes, os meus pais pensavam que era preguiçosa por não obter
bons resultados no trabalho quotidiano. Por vezes, os professores achavam
que tinha uma dificuldade de aprendizagem. Não irias acreditar
nas teorias. Fazia testes aos olhos e aos ouvidos com intervalos que
rondariam os dois meses. E exames cerebrais… Os meus pobres pais
pagavam isto tudo. Mas nunca conseguiram aceitar a verdade. Pelo
menos por fora, percebes?
— Mas, no fundo, sabiam.
— Sim. Um dia, quando o meu pai tentava decidir se deveria financiar
um homem que queria abrir uma loja de peças para automóvel,
pediu‑me para me sentar com ele quando o homem veio a nossa
casa. Depois de o homem partir, levou‑me para fora, olhou para longe
e perguntou: «Sookie, ele dizia a verdade?» Foi um momento muito
estranho.
— Que idade tinhas?
— Não devia ter mais de sete porque morreram os dois quando
estava no segundo ano.
— Como?
— Numa inundação repentina. Apanhou‑os na ponte a oeste daqui.
Bill não comentou. Claro que teria visto mortes sem conta.
— O homem mentia? — perguntou, após alguns segundos.
— Sim. Pretendia fugir com o dinheiro do meu pai.
— Tens um dom.
— Um dom. Claro. — Sentia os cantos da boca a curvarem‑se
para baixo.
— Torna‑te diferente dos outros humanos.
— Não precisas de mo dizer. — Caminhámos em silêncio por um
momento. — Então não te consideras humano?
— Há já muito tempo.
— Acreditas realmente que perdeste a alma? — Era o que a Igreja
Católica pregava sobre os vampiros.
— Não tenho forma de saber — disse Bill, quase de forma casual.
Era óbvio que tinha pensado tantas vezes no assunto que se tornara um
lugar‑comum. — Pessoalmente, acredito que não. Existe algo em mim
que não é cruel ou homicida, mesmo após todos estes anos. Apesar de
também poder ser as duas coisas.
— Não tens culpa de ter sido infectado por um vírus.
Até o seu ronco de desdém conseguiu parecer elegante.
54
— Existem teorias desde que há vampiros. Talvez essa seja verdadeira.
— A seguir, pareceu lamentar ter dito aquilo. — Se é um vírus
a causa dos vampiros — prosseguiu, de forma mais contida —, é um
vírus selectivo.
— Como se transforma alguém num vampiro? — Lera muita coisa,
mas aquela informação viria directamente de alguém conhecedor.
— Teria de te drenar, de uma só vez ou durante dois ou três dias,
até morreres, e de te dar o meu sangue. Ficarias como um cadáver durante
cerca de quarenta e oito horas. Por vezes chega aos três dias. Depois,
irias erguer‑te de noite. E terias fome.
A forma como pronunciou a palavra «fome» fez‑me estremecer.
— Não há outra forma?
— Outros vampiros contaram‑me que humanos que mordem
regularmente, dia após dia, podem tornar‑se vampiros de forma inesperada.
Mas isso exige alimentações consecutivas e intensivas. Nas
mesmas condições, outros apenas se tornam anémicos. E quando as
pessoas estão próximas da morte por algum outro motivo, talvez por
um acidente de viação ou overdose de drogas, talvez o processo possa
correr… horrivelmente mal.
Começava a assustar‑me.
— É melhor mudar de assunto. Que planeias fazer com a propriedade
dos Compton?
— Planeio viver lá tanto quanto conseguir. Agora que tenho o direito
legal de existir e que posso ir a Monroe, Shreveport ou Nova Orleães
procurar sangue sintético ou prostitutas especializadas na minha
gente, quero ficar aqui. Ou, pelo menos, ver se isso é possível. Passei
décadas a vaguear.
— Como está a casa?
— Muito mal — admitiu. — Tenho tentado limpá‑la. É algo que
posso fazer à noite. Mas preciso de trabalhadores para algumas reparações.
Não sou mau carpinteiro, mas não sei nada sobre electricidade.
Claro que não saberia.
— Parece‑me que será necessário substituir os fios — continuou,
parecendo igual a qualquer outro proprietário ansioso.
— Tens telefone?
— Claro — respondeu, surpreso.
— Então qual é o problema em conseguir trabalhadores?
— É difícil entrar em contacto com eles de noite. E é difícil en55
contrar‑me com eles para lhes explicar o que precisa de ser feito. Têm
medo ou acham que é uma brincadeira. — A frustração era evidente
na voz de Bill, apesar de voltar a cara para longe.
Ri‑me.
— Se quiseres, posso ligar‑lhes — propus. — Conhecem‑me.
Apesar de todos acharem que sou maluca, sabem que sou honesta.
— Seria um grande favor — disse Bill, após alguma hesitação. —
Poderiam trabalhar durante o dia, depois de me encontrar com eles
para discutir o trabalho e os custos.
— Que grande inconveniente não poder sair durante o dia — disse,
sem pensar. Nunca tinha pensado no assunto.
— Sem dúvida — considerou, secamente.
— E ter de esconder o sítio onde descansas — prossegui, sem
perceber o desconforto que provocava.
Quando o senti no silêncio que se seguiu, pedi desculpa. Se não
estivesse tão escuro, ter‑me‑ia visto corar.
— O local de repouso diurno de um vampiro é o seu maior segredo
— afirmou Bill, sem grande à‑vontade.
— As minhas desculpas.
— Aceites — disse, após um momento desagradável. Alcançámos
a estrada e olhámos para ambos os lados como se esperássemos
um táxi. Conseguia vê‑lo claramente à luz da lua, agora que saíramos
de entre as árvores. Também ele podia ver‑me e olhou‑me de alto a
baixo.
— O teu vestido é da cor dos teus olhos.
— Obrigada. — Não o conseguia ver a ele com a mesma clareza.
— Mas não há muito tecido.
— Desculpa?
— É difícil habituar‑me a jovens com tão pouca roupa — confessou
Bill.
— Tiveste algumas décadas para te ires habituando — disse, secamente.
— Há quarenta anos que os vestidos são curtos, Bill!
— Gostava de saias compridas — admitiu, com nostalgia. — Gostava
da roupa interior que as mulheres usavam. Dos saiotes.
Não contive um ruído de desprezo.
— Tens algum saiote?
— Tenho uma tanga rendada de nylon bege muito bonita — respondi,
indignada. — Se fosses humano, diria que tentavas fazer‑me
falar sobre a minha roupa interior!
56
Riu‑se, com aquela gargalhada profunda e pouco usada que tanto
me afectava.
— Tens essa tanga vestida, Sookie?
Deitei‑lhe a língua de fora porque sabia que conseguia ver‑me.
Ergui a bainha do vestido, revelando a renda da tanga e mais alguns
centímetros de pele bronzeada.
— Satisfeito? — perguntei.
— Tens umas pernas bonitas, mas continuo a preferir vestidos
compridos.
— És teimoso — disse‑lhe.
— Era o que a minha mulher sempre me dizia.
— Eras casado.
— Sim. Tornei‑me um vampiro aos trinta anos. Tinha mulher e
cinco filhos vivos. Sarah, a minha irmã, vivia connosco. Nunca se casou.
O seu noivo morreu na guerra.
— Na Guerra Civil.
— Sim. Eu regressei do campo de batalha. Tive sorte. Pelo menos,
pensei que sim na altura.
— Lutaste pela Confederação — disse, curiosa. — Se ainda tivesses
a farda e a levasses ao clube, farias as senhoras desmaiar de prazer.
— Quando a guerra chegou ao fim, não restava grande coisa da
farda — explicou, com voz pesarosa. — Estávamos esfarrapados e famintos.
— Pareceu recompor‑se. — Depois de me tornar um vampiro,
deixou de ter qualquer significado — disse, novamente num tom frio
e distante.
— Recordei algo que te incomoda — disse. — Lamento. De que
deveremos falar? — Voltámo‑nos e começámos a descer a estrada em
direcção à casa.
— Sobre a tua vida — respondeu. — Conta‑me o que fazes quando
acordas de manhã.
— Saio da cama. Depois faço‑a imediatamente. Tomo o pequeno‑almoço.
Torrada, às vezes cereais ou ovos, e café. Lavo os dentes,
tomo um duche e visto‑me. Por vezes, rapo as pernas. Se for dia de trabalho,
vou trabalhar. Se só entrar à noite, posso ir às compras ou levar
a avó à loja ou alugar um filme para ver ou apanhar sol. E leio muito.
Tenho sorte por a avó ainda estar tão activa. É ela que lava a louça e
passa a ferro e também é ela que costuma cozinhar.
— E rapazes?
— Já te falei disso. É impossível.
57
— Então que farás, Sookie? — perguntou, com delicadeza.
— Envelhecerei e morrerei. — Notava‑se o desagrado na minha
voz. Tocara um ponto sensível demasiadas vezes.
Para minha surpresa, Bill esticou o braço e pegou‑me na mão.
Agora que nos tínhamos incomodado de forma recíproca, tocando algumas
feridas, o ar parecia mais limpo. No silêncio da noite, uma brisa
fazia dançar o meu cabelo em volta da cara.
— Solta‑o — pediu.
Não havia motivo para não o fazer. Libertei uma mão para soltar
o cabelo. Abanei a cabeça para o desprender. Guardei a mola no bolso
dele porque eu não tinha nenhum. Como se fosse a coisa mais normal
do mundo, Bill começou a passar‑me os dedos pelo cabelo, alisando‑o
até aos ombros.
Toquei‑lhe as patilhas já que parecia ser autorizado o toque.
— São compridas —
comentei.
— Era essa a moda — respondeu. — Sinto‑me feliz por não usar
barba como muitos homens ou tê‑la‑ia durante toda a eternidade.
— Nunca fazes a barba?
— Não. Felizmente, tinha acabado de a fazer quando aconteceu.
— Parecia fascinado pelo meu cabelo. — O luar fá‑lo parecer prata —
disse, baixando muito a voz.
— Ah. O que gostas de fazer?
Consegui perceber o indício de um sorriso na escuridão.
— Também gosto de ler. — Pensou. — Gosto de filmes… claro.
Acompanhei‑os desde o início. Gosto da companhia de pessoas com
vidas comuns. Por vezes, anseio pela companhia de outros vampiros,
apesar de a maioria levar vidas muito diferentes da minha.
Caminhámos em silêncio por um momento.
— Gostas de televisão?
— Por vezes — confessou. — Durante algum tempo, gravava telenovelas
e via‑as à noite quando achava que poderia estar a esquecer‑me
de como era ser humano. Acabei por parar porque, julgando
pelos exemplos que via nesses programas, esquecer a humanidade parecia
algo positivo.
Ri‑me.
Alcançámos o círculo de luz em redor da casa. Quase esperara
que a avó estivesse no baloiço do alpendre à nossa espera, mas não
estava. E apenas uma lâmpada fraca iluminava a sala de estar. Percebi,
com algum desagrado, o que tentara fazer. Era como regressar a
58
casa depois de um primeiro encontro. Pensei mesmo se Bill tentaria
beijar‑me ou não. Com a sua predilecção por vestidos compridos, seria
provável que achasse inaceitável tal comportamento. Mas, por mais
que parecesse estúpido beijar um vampiro, percebi que era o que mais
queria fazer.
Senti um aperto no peito, uma amargura por mais uma coisa que
me era negada. E pensei: porque não?
Parei‑o, puxando‑lhe gentilmente pela mão. Estiquei‑me para
cima e pousei os lábios sobre a sua face reluzente. Senti‑lhe o cheiro,
comum mas vagamente salgado. Usava um pouco de água‑de‑colónia.
Senti‑o estremecer. Voltou a cabeça, fazendo os lábios tocar os
meus. Após um momento, rodeei‑lhe o pescoço com os braços. O seu
beijo aprofundou‑se e afastei os lábios. Nunca fora beijada assim. Prolongou‑se
até pensar que aquele beijo continha todo o mundo, com a
boca do vampiro sobre a minha. Senti a respiração acelerar e comecei
a desejar que outras coisas acontecessem.
Subitamente, Bill afastou‑se. Parecia abalado, o que me agradou
muito.
— Boa noite, Sookie — disse, acariciando‑me o cabelo uma última
vez.
— Boa noite, Bill — respondi. Também eu parecia perturbada.
— Tentarei contactar alguns electricistas amanhã. Mais tarde, transmito‑te
o que disseram.
— Visitas‑me amanhã à noite se não tiveres de trabalhar?
— Sim — disse. Continuava a tentar recompor‑me.
— Vejo‑te então. Obrigado, Sookie. — E voltou‑se para percorrer
a floresta até à sua casa. A sombra das árvores tornou‑o invisível.
Permaneci ali, olhando como uma tonta, até me forçar a entrar e
ir para a cama.
Passei demasiado tempo acordada, pensando se os não‑mortos
conseguiriam realmente… fazê‑lo. Além disso, pensava se seria possível
ter uma discussão franca com Bill acerca do assunto. Por vezes,
parecia muito antiquado e, noutras vezes, parecia tão normal como o
vizinho do lado. Bom… Nem tanto. Mas bastante normal.
Parecia‑me ao mesmo tempo maravilhoso e patético que a primeira
criatura em muitos anos com quem me apetecia ter sexo não fosse
humana. A minha telepatia limitava severamente as opções. Podia
ter sexo apenas pela experiência, claro, mas quis esperar por sexo que
conseguisse dar‑me prazer.
59
E se o fizéssemos e, depois de tantos anos, descobrisse que não tinha
talento? Ou talvez a sensação não fosse agradável. Talvez os livros
e os filmes exagerassem. E também Arlene, que parecia nunca perceber
que a sua vida sexual era um assunto que não me interessava.
Consegui adormecer finalmente, envolvendo‑me em sonhos
complexos e sombrios.
Na manhã seguinte, entre a resposta às perguntas da avó sobre o
passeio com Bill e sobre os nossos planos para o futuro, consegui fazer
alguns telefonemas. Encontrei dois electricistas, um canalizador e outros
especialistas que me deram números de telefone onde poderiam
ser contactados à noite, certificando‑me de que compreenderiam que
uma chamada de Bill Compton não seria brincadeira.
Finalmente, acabei deitada ao sol, bronzeando‑me, quando a avó
me passou o telefone.
— É o teu patrão — disse‑me. A avó gostava de Sam e devia ter
dito alguma coisa para a alegrar porque sorria como o Gato de Cheshire.
— Olá, Sam — disse, possivelmente sem parecer muito satisfeita,
sabendo que alguma coisa teria corrido mal no trabalho.
— A Dawn não veio hoje — disse‑me.
— Oh… bolas — exclamei, sabendo que teria de ser eu a substituí‑la.
— Tenho planos, Sam. — Era a primeira vez que usava aquele
argumento. — Quando precisas que vá?
— Podes vir das cinco às nove? Ajudaria muito.
— Terei direito a outro dia de folga?
— Que tal se a Dawn dividir um turno contigo noutra noite?
A minha resposta foi um ruído rude e a avó olhou‑me com uma
expressão severa. Sabia que teria direito a sermão mais tarde.
— Está bem — acabei por dizer, sem qualquer agrado. — Vemo‑nos
às cinco.
— Obrigado, Sookie — agradeceu. — Sabia que podia contar
contigo.
Tentei não me sentir mal com aquilo. Parecia uma virtude aborrecida.
Era sempre possível contar com a Sookie para ajudar porque
não tem vida própria!
Obviamente, não haveria problema em visitar Bill depois das
nove. De qualquer forma, passaria a noite toda acordado.
O trabalho nunca me pareceu tão lento. Tinha dificuldades em
me concentrar o suficiente para manter a guarda porque pensava cons60
tantemente em Bill. Felizmente não havia muitos clientes ou teria ouvido
muitos pensamentos indesejados. Mesmo assim, descobri que o
período de Arlene estava atrasado e que receava estar grávida. Antes
que conseguisse impedir‑me, abracei‑a. Olhou‑me de forma inquisitiva
e, a seguir, corou.
— Leste‑me os pensamentos, Sookie? — perguntou, com uma expressão
de desagrado. Arlene era das poucas pessoas a aceitar a minha
habilidade sem tentar explicá‑la e sem me considerar uma aberração.
Mas reparei que também não falava frequentemente no assunto.
— Desculpa. Foi sem querer — disse‑lhe. — Não consigo concentrar‑me
hoje.
— Muito bem. Mas mantém‑te fora da minha cabeça a partir de
agora. — E acenou‑me com um dedo à frente da cara, fazendo dançar
os caracóis flamejantes em redor da face.
Senti‑me capaz de chorar.
— Desculpa — voltei a dizer, dirigindo‑me ao armazém para recuperar
a compostura. Precisava de controlar a expressão e reprimir as
lágrimas.
Ouvi a porta abrir‑se atrás de mim.
— Eu pedi desculpa, Arlene! — gritei, querendo ficar sozinha.
Por vezes, Arlene confundia telepatia com a capacidade de prever o
futuro. Receava que me perguntasse se estava realmente grávida. Teria
melhor resultado se comprasse um teste de gravidez.
— Sookie — era Sam. Voltou‑me com uma mão sobre o ombro.
— O que se passa?
O tom de voz era delicado e levou‑me ainda mais perto das lágrimas.
— Devias mostrar‑te zangado para eu não chorar! — disse‑lhe.
Riu‑se, mas não muito. Rodeou‑me com um braço.
— Qual é o problema? — Não desistiria sem uma resposta.
— Oh… eu… — e não consegui continuar. Nunca tinha discutido
de forma explícita o meu problema (era assim que o via) com Sam
ou com qualquer outra pessoa. Todos em Bon Temps conheciam os
rumores sobre os motivos da minha estranheza, mas ninguém parecia
compreender que era forçada a ouvir o seu palavreado mental constante,
quer quisesse ou não, todos os dias, uma e outra vez…
— Ouviste alguma coisa que te perturbasse? — O seu tom era
calmo e directo. Tocou‑me no centro da testa para indicar que sabia
perfeitamente como «ouvia».
61
— Sim.
— Não consegues evitá‑lo, não é?
— Não.
— E odeias que assim seja, não é, querida?
— Oh sim.
— Mas a culpa não é tua, pois não?
—
Tento não ouvir, mas nem sempre consigo manter a guarda.
— Senti uma lágrima, que não consegui conter, deslizar‑me pela face.
— É assim que o fazes? Como manténs a guarda, Sookie?
Parecia realmente interessado, sem pensar que era doida. Ergui
a cara, vendo de perto os olhos azuis, profundos e brilhantes de Sam.
— Eu… é difícil descrever a quem não sabe como é… Ergo uma
vedação… Não. Não é como uma vedação. É como se isolasse o meu
cérebro dos outros com chapas metálicas.
— E tens de manter esse isolamento erguido?
— Sim. Exige muita concentração. É como dividir constantemente
as ideias. É por isso que as pessoas acham que sou maluca. Metade
do meu cérebro tenta manter as defesas erguidas e a outra metade pode
estar ocupada com a recolha de pedidos. Por vezes, não resta grande
coisa para uma conversa coerente. — Que alívio sentia apenas por poder
falar sobre o assunto.
— Ouves palavras ou apenas tens impressões?
— Depende da pessoa que ouço. E do seu estado de espírito. Se
estiverem bêbados ou muito perturbados, são só imagens, impressões,
intenções. Se estiverem sóbrios e tranquilos são palavras e algumas
imagens.
— O vampiro diz que não consegues ouvi‑lo.
Imaginar Bill e Sam a conversarem sobre mim fez‑me sentir estranha.
— É verdade — admiti.
— Isso descontrai‑te?
— Oh sim! — As palavras dificilmente poderiam ser mais sentidas.
— Consegues ouvir‑me, Sookie?
— Não quero tentar! — respondi, prontamente. Aproximei‑me
da porta do armazém e pousei a mão na maçaneta. Tirei um lenço de
papel do bolso dos calções e limpei o rasto da lágrima da cara. — Terei
de me despedir se te ler a mente, Sam! Gosto de ti e gosto de aqui estar.
— Tenta um dia destes, Sookie — disse, casualmente, voltando‑se
62
para abrir uma caixa de whiskey com a lâmina que guardava no bolso.
— Não te preocupes comigo. Terás emprego aqui enquanto o quiseres.
Limpei uma mesa em que Jason entornara sal. Viera algum tempo
antes para comer um hambúrguer com batatas fritas e para beber
um par de cervejas.
Reflectia sobre a proposta de Sam.
Não tentaria ler‑lhe a mente naquela noite. Estaria pronto para
mim. Esperaria até estar ocupado com outra coisa. Poderia ouvir brevemente
o que lhe passava pela cabeça. Convidara‑me a fazê‑lo e isso
era absolutamente novo.
Era agradável ter um convite.
Compus a maquilhagem e escovei o cabelo. Usara‑o solto, porque
Bill parecia gostar, e importunara‑me durante toda a noite. Estava quase
na hora de ir e fui buscar a mala ao gabinete de Sam.
A casa dos Compton, como a da avó, situava‑se a alguma distância da
estrada. Era um pouco mais visível e tinha vista para o cemitério. Isto
devia‑se (pelo menos em parte) ao facto de se situar num ponto de
maior elevação. Ficava no extremo de um relvado e tinha dois pisos
completos. A casa da avó tinha duas divisões adicionais no andar de
cima e um sótão, mas o piso superior não tinha a dimensão do inferior.
Em dado momento da longa história da família, os Compton tinham
possuído uma casa muito agradável. Mesmo na escuridão, notava‑se
no edifício uma certa graça. Mas sabia que a luz do dia revelaria
a tinta soltando‑se em lasca dos pilares, as fracturas no revestimento de
madeira e o jardim assemelhando‑se a uma selva. A humidade quente
do Louisiana facilmente descontrolava a vegetação e o velho Sr. Compton
não fora alguém disposto a contratar alguém para lhe tratar do jardim.
Quando ficou demasiado débil para se ocupar da tarefa, o quintal
reverteu ao estado selvagem.
O caminho circular não era coberto com gravilha nova há muitos
anos e o meu carro estremeceu até à porta dianteira. Vi que a casa estava
totalmente iluminada e comecei a perceber que aquela noite não
seria como a anterior. Havia outro carro parado à frente da casa. Um
Lincoln Continental branco com tejadilho azul‑escuro. Um autocolante
com letras azuis sobre fundo branco no pára‑choques traseiro dizia:
OS VAMPIROS CHUPAM. Outro autocolante vermelho e amarelo
convidava: BUZINE SE FOR DADOR DE SANGUE! Na matrícula
personalizada lia‑se apenas: DENTE 1.
63
Se Bill já tinha companhia, talvez fosse melhor voltar para casa.
Mas fora convidada e era esperada. Hesitando, ergui a mão e bati
à porta.
Esta foi aberta por uma vampira.
Reluzia muito. Tinha quase um metro e oitenta e era negra. Vestia
roupa de material elástico. Um sutiã de desporto rosa como um flamingo
e calças justas da mesma cor até à canela, com uma camisa de
homem desabotoada para completar o conjunto.
Achei que tinha um ar barato e quase certamente irresistível de
um ponto de vista masculino.
— Olá, pequena humana — ronronou a vampira.
E, subitamente, percebi que corria perigo. Bill advertira‑me repetidamente
que nem todos os vampiros eram como ele e que nem ele
escapava a momentos em que não era tão agradável. Não conseguia ler
a mente desta criatura, mas sentia a crueldade na sua voz.
Talvez tivesse magoado Bill. Talvez fosse sua amante.
Todas estas possibilidades me passaram pelo pensamento, mas
nenhuma conseguiu alterar‑me a expressão. Tinha anos de experiência.
Senti o meu sorriso brilhante surgindo‑me na cara como protecção
e endireitei as costas antes de lhe dizer alegremente:
— Olá! O Bill pediu‑me para lhe vir transmitir umas informações.
Está em casa?
A vampira riu‑se, algo a que estava habituada. O meu sorriso tornou‑se
ainda mais brilhante. Esta criatura irradiava perigo como uma
lâmpada irradia calor.
— A pequena humana diz que tem informações para ti, Bill! —
gritou sobre o ombro (atlético, moreno, belo).
Tentei camuflar o alívio que sentia.
— Queres recebê‑la ou devo dar‑lhe uma dentada de amor?
Furiosa, pensei que teria de me matar para conseguir fazê‑lo e,
logo a seguir, percebi que poderia ser precisamente isso que planeava.
Não ouvi a voz de Bill, mas a vampira afastou‑se e entrei na velha
casa. Fugir seria inútil. Conseguiria lançar‑me ao chão antes de completar
cinco passos. Além disso, não vira Bill e não podia ter a certeza
de que estaria bem. Seria corajosa e esperaria o melhor. Tenho muito
jeito para isso.
A grande sala estava apinhada de mobiliário antigo e pessoas.
Não, não eram só pessoas. Percebi‑o depois de olhar melhor. Duas pessoas
e outros dois vampiros desconhecidos.
64
Os dois vampiros eram homens brancos. Um tinha um corte de
cabelo rente e tatuagens cobrindo cada centímetro visível de pele. O
outro era ainda mais alto do que a mulher, talvez passando o metro e
noventa, com cabelo comprido e preto e um físico impressionante.
Os humanos não eram tão impressionantes. A mulher era loura
e anafada, com trinta e cinco anos ou mais. Tinha um quilo de maquilhagem
a mais do que o aceitável. Parecia gasta como uma bota velha.
O homem era diferente. Era encantador. O homem mais bonito que
alguma vez vira. Não podia ter mais de vinte e um anos. Era moreno,
possivelmente hispânico, baixo e de feições bem definidas. Vestia calções
de ganga cortada e mais nada. Além da maquilhagem. Interiorizei
tudo aquilo, mas não me entusiasmou.
A seguir, Bill moveu‑se e vi‑o, de pé nas sombras do corredor
escuro que ia da sala às traseiras da casa. Olhei‑o, tentando perceber
aquela situação inesperada. Para meu desgosto, não pareceu nada tranquilizante.
A sua expressão era neutra, absolutamente impenetrável.
Apesar de não me julgar capaz de tal pensamento, teria sido óptimo
poder ouvir o que lhe passava pela cabeça.
— Agora poderemos ter um serão maravilhoso — disse o vampiro
de cabelo comprido. Parecia encantado. — É uma amiguinha tua,
Bill? É tão fresca.
Ocorreram‑me algumas palavras adequadas que aprendera com
Jason.
— Queiram desculpar‑nos por um instante — disse, muito delicadamente,
como se fosse uma ocasião perfeitamente normal. — Tenho
contactado trabalhadores para se ocuparem da casa. — Tentei parecer
sóbria e impessoal, apesar de os calções, a camisola e os ténis Nike não
inspirarem grande profissionalismo. Mas esperei conseguir transmitir
que as pessoas agradáveis que encontrei ao longo do meu dia de trabalho
não poderiam constituir qualquer ameaça ou perigo.
— Ouvimos dizer que o Bill cumpria uma dieta exclusiva de sangue
sintético — disse o vampiro tatuado. — Parece que fomos enganados,
Diane.
A vampira inclinou a cabeça e lançou‑me um olhar demorado.
— Não teria tanta certeza. Parece‑me ser virgem.
Desconfiei que Diane não falava de hímenes.
Dei alguns passos casuais em direcção a Bill, esperando que me
defendesse se a situação se complicasse, mas sem conseguir ter certezas
absolutas. Continuava a sorrir, esperando que falasse ou se movesse.
65
E foi o que fez.
— A Sookie pertence‑me — disse. E a sua voz era tão fria e suave
que, se fosse uma pedra lançada a um lago, não teria provocado qualquer
ondulação.
Olhei‑o com severidade, mas tive a clareza de ideias suficiente
para manter a boca fechada.
— Tens cuidado bem do nosso Bill? — perguntou Diane.
— Mete‑te na puta da tua vida — respondi, empregando uma das
palavras de Jason e sem deixar de sorrir. Tenho mau feitio.
Seguiu‑se uma pausa breve e tensa. Todos, humanos e vampiros,
pareceram examinar‑me com minúcia suficiente para contar os pêlos
nos meus braços. A seguir, o mais alto começou a rir e os outros imitaram‑no.
Enquanto gargalhavam, aproximei‑me um pouco mais de Bill.
Os seus olhos escuros estavam fixos nos meus. Não se ria. E percebi
distintamente que desejava, tanto quanto eu, que conseguisse ler‑lhe
os pensamentos.
Consegui perceber que corria algum perigo. E, nesse caso, também
eu.
— Tens um sorriso estranho — disse o vampiro alto, recuperando
a postura séria. Preferia que tivesse continuado a rir.
— Malcolm — disse Diane —, todas as fêmeas humanas são estranhas
para ti.
Malcolm puxou o humano para si e aplicou‑lhe um longo beijo.
Senti‑me um pouco enojada. Aquele tipo de coisa devia ser mantido
em privado.
— É verdade — confirmou Malcolm, afastando‑se após um momento,
para aparente desilusão do homem. — Mas esta tem algo raro.
Talvez tenha um sangue apetecível.
— Oh — exclamou a loura numa voz capaz de lixar tinta. — É só
a doida da Sookie Stackhouse.
Olhei‑a com mais atenção. Reconheci‑a, depois de apagar
mentalmente alguns quilómetros de estrada dura e metade da maquilhagem.
Janella Lennox trabalhara no Merlotte’s durante duas
semanas até Sam a despedir. Arlene contou‑me que se mudara para
Monroe.
O vampiro tatuado rodeou‑a com o braço e acariciou‑lhe os seios.
Sentia o sangue fugir‑me da cara. Já estava enojada. Piorou ainda mais.
Janella, tão alheia à decência como o vampiro, pousou‑lhe a mão entre
as pernas e massajou.
66
Serviu, pelo menos, para ver claramente que os vampiros podiam
ter sexo.
Mas essa percepção pouco contribuiu para me excitar naquele
momento.
Malcolm observava‑me e não consegui esconder o desagrado.
— É inocente — disse a Bill, com um sorriso pleno de avidez.
— É minha — repetiu Bill. Desta vez, num tom de voz mais intenso.
Se fosse uma cascavel, o aviso não poderia ser mais claro.
— Bill, não me convences de que essa coisinha te dá tudo o que
precisas — disse Diane. — Pareces pálido e abatido. Não tem cuidado
bem de ti.
Aproximei‑me mais um centímetro de Bill.
— Porque não provas a mulher do Liam — sugeriu Diane, que eu
começava a odiar — ou Jerry, o rapazinho bonito do Malcolm.
Janella não reagiu à oferta, talvez por estar demasiado ocupada
a abrir o fecho das calças de Liam, mas Jerry, o atraente namorado de
Malcolm, deslizou prontamente até Bill. Eu sorri com os dentes cerrados,
quase sentindo os maxilares estalar, quando rodeou Bill com
os braços, cheirando‑lhe o pescoço e esfregando‑lhe o peito contra a
camisa.
O esforço na expressão do meu vampiro era uma visão terrível.
Os caninos expuseram‑se e, pela primeira vez, vi‑os na sua máxima
dimensão. Era verdade que o sangue sintético não satisfazia todas as
suas necessidades.
Jerry começou a lamber um ponto na base do pescoço de Bill. O
esforço de manter as defesas começava a ser demasiado. Com três dos
presentes sendo vampiros, cujos pensamentos não conseguia ouvir, e
com Janella ocupada, sobrava Jerry. Ouvi e choquei‑me.
A tentação fazia estremecer Bill e baixava a cabeça para cravar os
caninos no pescoço de Jerry quando gritei:
— Não! Ele tem o sino‑vírus!
Como se fosse subitamente liberto de um encanto, Bill olhou‑me
sobre o ombro de Jerry. A sua respiração era ofegante, mas retraiu os
caninos. Aproveitei o momento para me aproximar mais até ficar a um
metro de Bill.
— Sino‑SIDA — disse.
Vítimas alcoolizadas e drogadas afectavam temporariamente os
vampiros e dizia‑se que alguns apreciavam os efeitos, mas o sangue de
um humano com SIDA activa não tinha efeito, sucedendo o mesmo
67
com as doenças transmitidas sexualmente ou outros vírus que afligiam
os humanos.
Com a excepção da sino‑SIDA. Nem a sino‑SIDA conseguia
matar os vampiros com a eficácia com que o vírus da SIDA mata
humanos, mas deixava os não‑mortos muito fracos durante quase
um mês, sendo relativamente fácil apanhá‑los e cravar‑lhes uma
estaca durante esse período. E, ocasionalmente, se um vampiro se
alimentasse de um humano infectado mais do que uma vez, acabaria
por morrer (novamente?) sem necessidade de estaca. Ainda era
raro nos Estados Unidos, mas o sino‑vírus tornava‑se mais comum
em portos como Nova Orleães, onde marinheiros e outros viajantes
de muitos países chegavam à cidade dispostos a passar um bom
bocado.
Os vampiros ficaram imóveis, olhando Jerry como se fosse a morte
disfarçada e, para eles, talvez fosse.
O rapaz apanhou‑me de surpresa. Voltou‑se e lançou‑se sobre
mim. Não era um vampiro, mas era forte. Obviamente, a doença não se
manifestara há muito tempo. Conseguiu projectar‑me contra a parede
à minha esquerda. Rodeou‑me o pescoço com a mão e ergueu a outra
para me esmurrar a cara. Erguia os braços para me proteger quando a
mão de Jerry foi travada e o seu corpo se imobilizou.
— Larga‑lhe o pescoço — disse Bill, com uma voz tão assustadora
que conseguiu assustar‑me a mim. Os sustos sucediam‑se a um ritmo
tão avassalador que achei não conseguir voltar a sentir‑me segura. Mas
os dedos de Jerry não me largaram e, sem querer, emiti um pequeno
ruído de desconforto. Olhei para o lado e, pela expressão lívida de
Jerry, percebi que Bill lhe segurava a mão, Malcolm puxava‑o pelas
pernas e Jerry estava tão assustado que não conseguia perceber o que
esperavam dele.
A sala começou a tornar‑se turva e as vozes iam a vinham. A
mente de Jerry embatia contra a minha. Não conseguia mantê‑lo fora.
Tinha a cabeça repleta de visões do amante que lhe transmitira o vírus,
um amante que o trocara por um vampiro, um amante que Jerry assassinara
num ímpeto de raiva assassina. Via a morte aproximar‑se sob
a forma dos vampiros que quisera matar e não estava satisfeito com a
vingança concretizada pelos que conseguira infectar.
Conseguia ver a cara de Diane sobre o ombro de Jerry e percebi
que sorria.
Bill partiu o pulso de Jerry.
68
Este gritou e caiu ao chão. O sangue voltou a chegar‑me ao cérebro
e quase desmaiei. Malcolm ergueu Jerry e levou‑o até ao sofá
de forma tão casual como se transportasse um tapete enrolado. Mas
a expressão de Malcolm era tudo menos casual. Soube que Jerry teria
sorte se morresse depressa.
Bill colocou‑se à minha frente, ocupando o lugar onde antes se
erguera Jerry. Os seus dedos, os dedos que tinham acabado de partir um
pulso, massajaram‑me o pescoço com a delicadeza da minha avó. Pousou‑me
um dedo sobre os lábios para assegurar que guardaria silêncio.
Depois, rodeando‑me com um braço, voltou‑se para encarar os
outros vampiros.
— Isto foi muito divertido — disse Liam. A sua voz era fria, como
se Janella não lhe aplicasse uma massagem íntima sobre o sofá. Não
se movera durante todo o incidente. Tinha tatuagens que só agora se
tornavam visíveis e que nunca teria conseguido imaginar. Senti‑me à
beira do vómito. — Mas acho que devo voltar a Monroe. Temos de dar
um passeio com Jerry quando acordar, não é, Malcolm?
Malcolm deitou o corpo inconsciente de Jerry sobre o ombro e
acenou a cabeça a Liam. Diane parecia desiludida.
— Rapazes — protestou —, não descobrimos como a pequena
soube. Os dois vampiros olharam‑me em simultâneo. De forma muito
casual, Liam perdeu um segundo para atingir o clímax. Sim, os vampiros
conseguiam realmente fazê‑lo. Já não restavam dúvidas. Após um
breve suspiro de satisfação, disse:
— Obrigado, Janella. É uma boa pergunta, Malcolm. Como sempre,
a nossa Diane foi directa ao assunto. — E os três vampiros visitantes
riram como se aquilo fosse uma excelente piada, mas, para mim,
fora tenebrosa.
— Ainda não consegues falar, não é, querida? — Bill apertou‑me
o ombro enquanto perguntava, como se não conseguisse perceber a
dica.
Abanei a cabeça.
— Talvez eu conseguisse fazê‑la falar — disse Diane.
— Estás a esquecer‑te, Diane — disse Bill, com delicadeza.
— Ah, sim. É tua — recordou Diane. Mas não parecia demasiado
convencida.
— Teremos de combinar outra visita — disse Bill. A sua voz deixava
claro que os outros teriam de partir ou enfrentá‑lo.
69
Liam ergueu‑se, puxou o fecho das calças e fez um gesto à sua
humana.
— Vamos, Janella. Estamos a ser despejados. — As tatuagens moviam‑‑se
sobre os seus braços enquanto se esticava. Janella passou‑lhe
as mãos pelas costelas, como se não conseguisse impedir‑se de lhe tocar,
e foi enxotada sem esforço, como se fosse apenas uma mosca. Pareceu
vexada, mas não destroçada como eu me sentiria. Obviamente,
não se tratava de uma forma de tratamento nova.
Malcolm levou Jerry pela porta fora sem mais uma palavra. Se
tivesse contraído o vírus por beber o sangue de Jerry, este ainda não
se manifestara. Diane foi a última a sair, lançando uma bolsa sobre o
ombro e despedindo‑se com um olhar brilhante.
— Deixo os dois pombinhos a sós. Foi divertido, amor — disse,
antes de fechar a porta atrás de si.
Assim que ouvi o motor do carro lá fora, desmaiei.
Nunca me acontecera tal coisa em toda a vida e esperei que não
voltasse a acontecer, mas achei que tinha justificação para isso.
Parecia comum ficar inconsciente quando Bill estava por perto.
Tratava‑se de um pensamento crucial e sabia que merecia reflexão cuidada,
mas não naquele momento. Quando recuperei os sentidos, recordei
tudo o que vira e ouvira e o enjoo venceu‑me. De imediato, Bill
fez‑me curvar sobre o braço do sofá, mas consegui manter a comida no
estômago, talvez por não ter comido grande coisa.
— Todos os vampiros se comportam assim? — sussurrei. Tinha o
pescoço dorido onde Jerry apertara. — Foram horríveis.
— Tentei apanhar‑te no bar quando descobri que não estavas em
casa — disse Bill. A sua voz era neutra. — Mas já tinhas saído.
Apesar de saber que não ajudaria, comecei a chorar. Tinha a certeza
de que Jerry morreria e senti que deveria ter feito alguma coisa para
o impedir, mas não podia ficar calada quando estava prestes a infectar
Bill. Havia tantas coisas naquele pequeno episódio a perturbarem‑me
tão profundamente que não sabia por onde começar. Num período que
teria rondado os quinze minutos, receara pela vida, receara pela vida
de Bill (pela sua existência, pelo menos), fora forçada a presenciar actos
sexuais que deveriam ser privados, vira o meu potencial namorado
possuído por uma luxúria sanguinária (com ênfase na luxúria) e quase
fora estrangulada até à morte por um prostituto doente.
Pensando melhor, permiti‑me chorar. Endireitei as costas e chorei,
secando a cara com o lenço que Bill me passara. A minha curiosi70
dade acerca dos motivos que levariam um vampiro a precisar de um
lenço eram apenas uma centelha de normalidade entre a torrente nervosa
das lágrimas.
Bill foi suficientemente sensato para não me abraçar. Sentou‑se
no chão e afastou graciosamente os olhos enquanto me assoava.
— Quando os vampiros vivem em ninhos — disse, subitamente
—, é frequente tornarem‑se mais cruéis porque se incentivam uns aos
outros. Convivem diariamente com outros vampiros e recordam como
estão distantes dos humanos. Passam a viver segundo regras próprias.
Vampiros como eu, que vivem sozinhos, recordam melhor a anterior
humanidade.
Ouvi a sua voz tranquilizante, enquanto se esforçava lentamente
para me explicar o inexplicável.
— Sookie, a nossa vida é sedutora e cativante e assim tem sido
durante séculos, para alguns de nós. O sangue sintético e a aceitação
receosa dos humanos não mudarão isso do dia para a noite. Ou mesmo
numa década. Diane, Liam e Malcolm estão juntos há cinquenta
anos.
— Que adorável —
disse, notando algo na voz que nunca antes
sentira: azedume. — Estão a comemorar as bodas de ouro.
— Conseguirás esquecer isto? — perguntou Bill. Os seus enormes
olhos escuros aproximaram‑se cada vez mais. A sua boca estava a cinco
centímetros da minha.
— Não sei. — As palavras saíram‑me sem sequer pensar. — Sabes
que não tinha a certeza de que seriam capazes?
Ergueu as sobrancelhas sem perceber.
— Capazes de quê?
— De… — e parei, tentando pensarnuma forma menos desagradável
de referir o assunto. Vira mais obscenidade naquela noite do que
em toda a vida e não queria dar também o meu contributo. — De uma
erecção — disse, evitando‑lhe o olhar.
— Agora já sabes. — Parecia esforçar‑se por não rir. — Podemos
ter sexo, mas não podemos gerar crianças ou dá‑las à luz. Não te faz
sentir melhor que Diane não possa ter filhos?
Estourei os fusíveis. Abri muito os olhos e fitei‑o com firmeza.
— Não… te… rias… de… mim.
— Oh, Sookie — disse, erguendo a mão para me tocar na face.
Esquivei‑me e ergui‑me com esforço. Ele não me ajudou e ainda
bem. Permaneceu sentado no chão, olhando‑me com uma expressão
71
inabalável e indefinida. Os seus caninos permaneciam retraídos, mas
continuava a ter fome. Era pena.
A minha mala estava no chão junto à porta. Não caminhava com
grande segurança, mas caminhava. Tirei a lista de electricistas do bolso
e deixei‑a sobre uma mesa.
— Tenho de ir.
E ali estava ele, à minha frente. Voltara a fazer uma daquelas coisas
que os vampiros faziam.
— Posso dar‑te um beijo de boas noites? — perguntou, com as
mãos caídas ao longo do corpo, deixando bem claro que não me tocaria
até o autorizar.
— Não — respondi, com veemência. — Não depois deles.
— Irei visitar‑te.
— Sim. Talvez.
Esticou‑se para me abrir a porta, mas achei que se esticava para
mim e estremeci.
Voltei‑me e quase corri para o carro, com as lágrimas novamente
a toldar‑me a visão. Congratulei‑me por a viagem até casa ser tão curta.
Olá!
Como na mensagem anterior disse, eu não sei o que se passou...
Mas agora o blogue já está minimamente melhor...
Espero que compreendam...!!
Olá!
Como todos puderam verá eu tinha colocado várias coisas na parte direita do blogue... O que acontece é que eu alterei o template e desapareceram todas!!!!!!!
Agora, estou a tentar voltar a pôr tudo como estava mas será dificil!
Agradeço que compreendam, pois eu não fiz de propósito!!
Ate ja!
Olá!
Boas tardes pessoal!
Ontem à noite, eu (finalmente) consegui pôr um Conta Visitas, ao qual dei o nome de Conta-Vampiros...
Não tenho muito mais que dizer... :S
Mais lá para o fim do dia, irei postar novidades sobre a TrueBlood e a Academia de Vampiros...
Até já!!!!
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Olá Again!
Bem...hoje parece que é o dia do blogue...:p
Enfim...Agora vou falar da Academia de Vampiros.
Vou deixar-vos (hoje, de vez!!) com 3 trailers (Vampire Academy, FrostBite, Shadow Kiss) , todos feitos por fãs.
Espero que gostem!!
Adeus!
Ate amanhã!
Olá!
ATENÇÃO!
ESTE É O 1º CAPITULO COMPLETO DO SANGUE FRESCO!
É MUITO GRANDE!
1
Desde que os vampiros tinham saído do caixão dois anos
antes (como se costumava dizer com escárnio), esperara que um
deles visitasse Bon Temps. Tínhamos todas as outras minorias na nossa
pequena cidade. Porque não a mais recente? Porque não os não‑mortos
legalmente reconhecidos? Mas o Norte rural do Louisiana parecia não
ser muito apelativo para os vampiros. Por outro lado, Nova Orleães era
um verdadeiro centro de actividade vampírica (ou não tivesse Anne
Rice escrito sobre o assunto).
A viagem de carro entre Bon Temps e Nova Orleães não era assim
tão longa e todos os clientes do bar diziam que, atirando uma pedra na
esquina de uma rua, seria quase inevitável acertar em alguém. Apesar
de isso não ser aconselhável.
Mas eu continuava à espera do meu próprio vampiro.
Pode dizer‑se que não saio muito. E não é por não ser bonita. Porque
sou. Sou loura, tenho olhos azuis e vinte e cinco anos, as minhas
pernas são fortes e o meu peito é considerável, com uma cinturinha de
vespa. Fico bem na farda de Verão que Sam escolheu para as empregadas:
calções pretos, camisola de manga curta branca, meias brancas,
ténis Nike pretos.
Mas tenho uma deficiência. É assim que gosto de a referir.
10
Os clientes dizem que sou doida apenas.
Seja como for, o resultado é que saía pouco. Por isso, as pequenas
coisas positivas na minha vida têm um valor multiplicado.
E ele, o vampiro, sentou‑se numa das minhas mesas.
Percebi imediatamente o que era. Espantou‑me que mais ninguém
se tivesse voltado para o olhar fixamente. Não conseguiam perceber!
Mas, para mim, a pele dele parecia ter um brilho ténue e foi
assim que soube.
Poderia ter dançado de alegria e improvisei mesmo uma pequena
coreografia junto ao balcão. Sam Merlotte, o patrão, ergueu o olhar da
bebida que misturava e esboçou um leve sorriso. Peguei no tabuleiro
e no bloco de notas e aproximei‑me da mesa do vampiro. Esperei que
o baton não estivesse borrado e que o rabo‑de‑cavalo continuasse impecável.
Sou um pouco ansiosa e conseguia sentir um sorriso puxando‑me
os cantos da boca para cima.
Parecia imerso em pensamentos e pude mirá‑lo de alto a baixo
antes que voltasse os olhos para mim. Não chegaria ao metro e
oitenta. Tinha cabelo castanho espesso penteado para trás e roçando‑lhe
o colarinho. As patilhas pareciam estranhamente antiquadas.
Era pálido, obviamente. Afinal, estava morto, acreditando nas velhas
histórias. A teoria politicamente correcta, que os próprios vampiros
aprovavam de forma pública, dizia que aquele tipo fora vítima de um
vírus que o deixara aparentemente morto durante um par de dias e,
a partir daí, alérgico à luz do sol, à prata e ao alho. Os pormenores
dependiam do jornal que se lesse. Estavam todos cheios de coisas
sobre vampiros.
Os seus lábios eram encantadores e bem definidos e tinha sobrancelhas
escuras arqueadas. O nariz projectava‑se do arco das
sobrancelhas, como o nariz de um príncipe num mosaico bizantino.
Quando finalmente ergueu os olhos, vi que eram ainda mais
escuros do que o cabelo e que o branco em redor era incrivelmente
límpido.
— Que deseja beber? — perguntei, quase demasiado feliz para
articular as palavras.
O vampiro ergueu as sobrancelhas.
— Têm aquele sangue sintético engarrafado? — perguntou.
—
Não. Lamento muito. O Sam encomendou algum. Deve chegar
na semana que vem.
— Então traga‑me vinho tinto, por favor — disse com uma voz
11
calma e cristalina, como um regato correndo sobre seixos. Ri‑me alto.
Era demasiado perfeito.
— Não ligue à Sookie, senhor. É maluca — disse uma voz familiar,
vinda do compartimento encostado à parede. Toda a minha felicidade
se desvaneceu, apesar de ainda conseguir sentir o sorriso nos lábios. O
vampiro fitou‑me, vendo a alegria abandonar‑me a expressão.
— Trago já o seu vinho — disse, afastando‑me, sem sequer olhar
a cara arrogante de Mack Rattray. Estava lá quase todas as noites com
a mulher, Denise. Chamava‑lhes Senhor e Senhora Ratazana. Desde
que se mudaram para uma caravana alugada em Four Tracks Corner,
esforçavam‑se por me fazer a vida miserável. Esperava que partissem
de Bon Temps tão subitamente como haviam chegado.
Quando entraram no Merlotte’s pela primeira vez, cometi a indiscrição
de ouvir os seus pensamentos (sim, eu sei que não é uma
atitude muito elevada). Mas aborreço‑me como toda a gente e, apesar
de passar a maior parte do meu tempo a bloquear os pensamentos
alheios que tentam infiltrar‑se no meu cérebro, por vezes não consigo
resistir. E foi assim que descobri algumas coisas sobre os Rattray que
talvez mais ninguém soubesse. Por um lado, sabia que tinham estado
presos, apesar de não saber porquê. Por outro, lera os pensamentos
enojantes de Mack Rattray sobre esta vossa amiga. E, a seguir, descobri
nos pensamentos de Denise que abandonara um bebé que tivera dois
anos antes, um bebé que não era de Mack.
Além disto tudo, não davam gorjetas.
Sam encheu um copo com o vinho tinto da casa, olhando a mesa
do vampiro enquanto o colocava no meu tabuleiro.
Quando voltou a olhar para mim, pude ver que também sabia
aquilo que era o nosso novo cliente. Os olhos de Sam são tão azuis
como os de Paul Newman, em contraste com os meus, de um azul mais
acinzentado. Sam também é louro, mas tem o cabelo mais fino e a cor
aproxima‑se de um amarelo‑torrado. Está sempre levemente queimado
pelo sol e, apesar de parecer magro quando vestido, vi‑o descarregar
carrinhas sem camisa e a sua musculatura do tronco é considerável.
Nunca ouço os seus pensamentos. É o patrão. Tive de me despedir
de empregos por descobrir coisas sobre os patrões que preferia não ter
sabido.
Sam não fez qualquer comentário e limitou‑se a passar‑me o vinho.
Olhei o copo para me certificar de que estava perfeitamente limpo
e voltei à mesa do vampiro.
12
— Aqui tem — disse, com cerimónia, colocando o copo com cuidado
na mesa à sua frente. Voltou a olhar‑me e aproveitei a oportunidade
para lhe apreciar os belos olhos enquanto podia. — Bom proveito
— disse‑lhe, orgulhosa.
Atrás de mim, Mack Rattray berrou:
— Ei, Sookie! Precisamos de outro jarro de cerveja!
Suspirei e voltei‑me para recolher o jarro vazio da mesa das Ratazanas.
Reparei que Denise estava na sua melhor forma. Vestia um top revelador
e calções curtos, com o emaranhado de cabelo castanho cobrindo‑lhe
a cabeça com madeixas atraentes. Não era realmente bonita, mas
era tão exuberante e confiante que se levava algum tempo a percebê‑lo.
Um pouco mais tarde, para meu desconsolo, vi que os Rattray se
tinham mudado para a mesa do vampiro. Falavam com ele. Não o via
responder muito, mas também não se ia embora.
— Olha para aquilo! — disse a Arlene, outra das empregadas,
sem esconder o desagrado. Arlene é uma ruiva sardenta, dez anos mais
velha do que eu e veterana de quatro casamentos. Tem dois filhos e,
ocasionalmente, acho que me considera a sua terceira criança.
— Tipo novo, hã? — disse, com interesse limitado. Arlene namorava
com Rene Lenier e, apesar de eu não conseguir perceber a atracção,
parecia satisfeita. Penso que Rene foi o seu segundo marido.
— É um vampiro — disse, forçada a partilhar o meu encanto com
alguém.
— A sério? Aqui? Vejam só… — comentou, sorrindo um pouco
para mostrar que percebia a minha satisfação. — Não pode ser muito
esperto para estar com as Ratazanas. Mas é verdade que Denise lhe está
a montar um espectáculo e tanto.
Só percebi quando Arlene o referiu. É muito melhor do que eu
a avaliar situações sexuais devido à sua grande experiência e à minha
falta dela.
O vampiro tinha fome. Sempre ouvira dizer que o sangue sintético
desenvolvido pelos japoneses conseguia assegurar a nutrição
dos vampiros mas sem satisfazer a fome e era por isso que existiam
«acidentes lamentáveis» de tempos a tempos. (Era esse o eufemismo
vampírico para a morte sangrenta de um humano). E ali estava Denise
Rattray, acariciando o pescoço, movendo a mão de um lado para o
outro… Que cabra.
Jason, o meu irmão, entrou no bar nesse momento e aproximou‑se
para me dar um abraço. Sabe que as mulheres apreciam um
13
homem que é bondoso para a família e para os deficientes e abraçar‑me
proporciona‑lhe esse benefício duplo à reputação. Não que precise de
benefícios adicionais aos que possui limitando‑se a ser ele próprio. É
bonito. Também pode ser velhaco, mas a maioria das mulheres parece
perfeitamente disposta a ignorar esse pormenor.
— Olá, mana. Como está a avó?
— Está bem. Na mesma. Vem visitá‑la.
— Claro que sim. Quem está cá hoje?
— Vê por ti próprio. — Reparei que, quando Jason olhou em redor,
houve um erguer de mãos femininas até ao cabelo, até às blusas e
aos lábios.
— Ei. Está ali a DeeAnne. Está livre?
— Veio com um camionista de Hammond. Foi à casa de banho.
É melhor teres cuidado.
Jason sorriu‑me e maravilhei‑me por as outras mulheres não conseguirem
ver o egoísmo daquele sorriso. Até Arlene ajeitava a camisola
quando Jason entrava e, após quatro maridos, devia saber alguma coisa
sobre como avaliar homens. A outra empregada, Dawn, compôs o
cabelo e endireitou as costas para realçar as mamas. Jason limitou‑se
a acenar‑lhe amigavelmente. Ela fingiu um esgar de desdém. Estava
chateada com Jason mas, mesmo assim, queria que ele reparasse nela.
Fiquei muito ocupada. Todos vinham ao Merlotte’s no sábado à
noite durante algum tempo e acabei por perder de vista o meu vampiro.
Quando voltei a poder procurá‑lo, vi que conversava com Denise.
Mack olhava‑o com uma expressão de tamanha avidez que me deixou
preocupada.
Aproximei‑me da mesa, fitando Mack. Finalmente, baixei as defesas
e ouvi.
Mack e Denise tinham estado presos por drenar vampiros.
Profundamente angustiada, consegui, mesmo assim, levar um
jarro de cerveja e alguns copos até uma mesa rodeada por quatro clientes
ruidosos. Porque se dizia que o sangue dos vampiros conseguia aliviar
temporariamente os sintomas de doença e aumentar a potência
sexual, sendo uma espécie de combinação de Prednisona com Viagra,
existia um grande mercado negro para o sangue de vampiro genuíno
e não diluído. Em todos os mercados há fornecedores e acabara de
descobrir dois: o miserável casal Ratazana. Tinham capturado e drenado
vampiros, vendendo os pequenos frascos de sangue a preços que
chegavam aos duzentos dólares cada um. Há dois anos que era a droga
14
mais apetecida. Alguns compradores enlouqueciam depois de beber
sangue puro de vampiro, mas isso não diminuía a procura.
Habitualmente, os vampiros drenados não sobreviviam durante
muito tempo. Os drenadores trespassavam‑nos com uma estaca ou
limitavam‑se a abandoná‑los em terreno aberto. Quando o sol nascia,
era o fim. Também havia relatos ocasionais de inversão dos papéis,
quando os vampiros conseguiam libertar‑se e deixavam para trás os
drenadores sem vida.
O meu vampiro levantava‑se e saía com as Ratazanas. Mack cruzou
o olhar com o meu e percebi que a minha expressão o deixava perturbado.
Voltou a cara, ignorando‑me como ignorava qualquer outra
pessoa.
Aquilo deixava‑me furiosa. Realmente furiosa.
Que deveria fazer? Enquanto tentava ultrapassar o turbilhão mental,
eles saíam pela porta. O vampiro acreditaria em mim se corresse
atrás deles e lhe contasse? Mais ninguém acreditava. Ou, se acreditassem,
iriam odiar‑me e recear‑me por ler os pensamentos escondidos
na cabeça das pessoas. Arlene implorara‑me para ler os pensamentos
do quarto marido quando ele veio buscá‑la numa noite por estar certa
de que ele pensava em abandoná‑la a ela e aos miúdos, mas não o fiz
porque queria manter a única amiga que me restava. Não conseguira
pedir‑mo directamente porque isso seria admitir que eu tinha este
dom, esta maldição. E as pessoas não eram capazes de o admitir. Precisavam
de acreditar que era maluca. E, por vezes, era‑o realmente.
Hesitei, confusa, assustada e furiosa até perceber que precisava de
agir. O olhar que Mack me lançou foi a última gota. Olhou‑me como se
fosse um risco insignificante.
Corri até ao balcão, aproximando‑me de Jason, ocupado a encantar
DeeAnne. A opinião generalizada dizia que não seria necessário
grande encantamento. O camionista de Hammond olhava com desagrado
do lado oposto.
— Jason — disse, urgentemente. Ele voltou‑se, lançando‑me um
olhar de aviso. — Ainda tens aquela corrente na carrinha?
— Não saio de casa sem ela — disse, languidamente, procurando
sinais de perigo na minha expressão. — Vais lutar com alguém, Sookie?
Sorri‑lhe, tão habituada a sorrisos falsos que a reacção me era
natural.
— Espero que não — disse, alegremente.
— Precisas de ajuda? — Afinal, era meu irmão.
15
— Não, obrigada — disse‑lhe, tentando parecer convincente. E
fui ter com Arlene. — Olha, tenho de sair um pouco mais cedo. As
minhas mesas têm pouca gente. Podes substituir‑me? — Não me lembrava
de alguma vez ter pedido tal coisa a Arlene, apesar de lhe eu a ter
substítuido em muitas ocasiões. Também se ofereceu para me ajudar.
— Não é preciso — disse. — Se conseguir, ainda regresso. Se limpares
as minhas mesas, limpo‑te a caravana.
Arlene acenou avidamente com a cabeça, fazendo dançar a cabeleira
ruiva.
Apontei a porta dos funcionários e fiz os dedos caminhar, indicando
a Sam que me ia.
Ele acenou afirmativamente. Não parecia satisfeito.
E lá fui eu pela porta dos fundos, tentando silenciar os pés sobre
a gravilha. O parque de estacionamento dos funcionários ficava nas
traseiras do bar, acessível por uma porta que abria para o armazém. Estava
ocupado pelo carro do cozinheiro, pelo de Arlene, pelo de Dawn
e pelo meu. À minha direita, a leste, a carrinha de Sam estava parada à
frente da sua caravana.
Saí do parque coberto de gravilha e passei ao alcatrão do parque
de estacionamento dos clientes, que era maior, a oeste do bar. A floresta
rodeava a clareira ocupada pelo Merlotte’s e a gravilha cobria também
os limites do parque. Sam mantinha‑o bem iluminado e o brilho surreal
dos candeeiros altos tornava tudo estranho.
Vi o carro desportivo vermelho e amolgado do Senhor e da Senhora
Ratazana e percebi que estariam perto.
Finalmente, encontrei a carrinha de Jason. Era preta, decorada
com chamas azuis e rosa nos lados. Adorava dar nas vistas. Aproximei‑me
da traseira e vasculhei na caixa, procurando a corrente de aros
metálicos grossos que transportava consigo para a eventualidade de se
envolver numa rixa. Puxei‑a e transportei‑a contra o corpo para não
fazer barulho.
Pensei por um segundo. O único local vagamente sossegado para
onde as Ratazanas poderiam ter atraído o vampiro era a extremidade
do parque de estacionamento, onde a copa das árvores caía sobre os
carros. Avancei nessa direcção, tentando mover‑me com rapidez mas
em silêncio.
Ia parando pelo caminho, pondo‑me à escuta. Não tardei a ouvir
um gemido e vozes difusas. Serpenteei entre os carros e avistei‑os precisamente
onde esperara que estivessem. O vampiro estava deitado de
16
costas no chão, com a face alterada pela agonia e o brilho de correntes
cruzando‑lhe os pulsos e prolongando‑se até aos tornozelos. Prata. Havia
já dois pequenos frascos de sangue no chão ao lado dos pés de Denise
e, enquanto eu observava, ajustou um novo tubo de ensaio à agulha.
O torniquete acima do cotovelo cravava‑se cruelmente no braço.
Estavam de costas voltadas para mim e o vampiro ainda não me
vira. Desembrulhei a corrente, deixando um metro solto. Quem atacaria
primeiro? Eram ambos pequenos e viciosos.
Recordei o olhar de desprezo de Mack e o facto de nunca me ter
deixado gorjeta. Seria ele o primeiro.
Nunca lutara com ninguém antes. De alguma forma, sentia‑me
ansiosa pela experiência.
Saí de trás de uma carrinha e lancei a corrente. Caiu sobre as costas
de Mack, ajoelhado ao lado da vítima. Gritou e ergueu‑se de um
salto. Depois de um olhar rápido, Denise dedicou‑se a aplicar o terceiro
tubo de ensaio. A mão de Mack desceu até à bota e voltou a subir
com um brilho repentino. Engoli em seco. Tinha uma faca.
— Ora bolas… — disse, sorrindo‑lhe.
— Sua cabra maluca! — berrou. Parecia ávido por usar a faca.
Estava demasiado concentrada para manter a barreira mental e não
consegui evitar uma visão clara do que Mack me queria fazer. Enfureceu‑me.
Lancei‑me sobre ele com toda a intenção de o ferir o mais
possível. Mas estava preparado e, enquanto eu fazia girar a corrente,
lançou‑se para a frente com a faca. Tentou cortar‑me o braço e falhou
por muito pouco. A corrente rodeou‑lhe o pescoço escanzelado. O
grito triunfal de Mack transformou‑se num gargarejo. Deixou cair a
faca e segurou os aros metálicos com ambas as mãos. Sem conseguir
respirar, deixou‑se cair de joelhos no pavimento, puxando‑me a corrente
das mãos.
Lá se ia a corrente de Jason. Baixei‑me e peguei na faca, segurando‑a
como se soubesse usá‑la. Denise avançava, parecendo uma
bruxa saloia, coberta pelas linhas e sombras lançadas pelas luzes de
segurança.
Parou quando viu que segurava a faca de Mack. Praguejou e disse
coisas terríveis. Esperei até se calar para dizer:
— Põe‑te a andar. Depressa.
O olhar de ódio quase abria buracos na minha pele. Tentou levar
os frascos de sangue mas disse‑lhe para os deixar. Limitou‑se a erguer
Mack. Este continuava a debater‑se para respirar e a segurar a corren17
te. Denise arrastou‑o até ao carro e enfiou‑o no banco do passageiro.
Tirando as chaves do bolso, sentou‑se ao volante.
Ouvindo o motor, percebi subitamente que as Ratazanas tinham
agora outra arma. Movendo‑me com rapidez inédita, corri até à cabeça
do vampiro e disse‑lhe:
— Empurra com os pés!
Segurei‑o por baixo dos braços e puxei com toda a minha força.
Ele percebeu e ajudou, movendo os pés como lhe dissera. Tínhamos
chegado à linha de árvores quando o carro vermelho se lançou ruidosamente
sobre nós. Denise não nos apanhou por pouco, forçada a mudar
a trajectória para evitar embater num pinheiro. Em seguida, ouvi o
som do motor poderoso do carro das Ratazanas a afastar‑se.
— Uau! — Tentei recuperar o fôlego e ajoelhei‑me ao lado do
vampiro porque as pernas não conseguiam suportar‑me. Inspirei profundamente
durante um minuto, procurando normalizar a respiração.
O vampiro moveu‑se um pouco e olhei‑o. Para meu horror, vi que se
erguia fumo dos pulsos, nos pontos tocados pela corrente. — Ó, pobre
coitado — disse, recriminando‑me por não cuidar imediatamente
dele. Ainda a tentar recuperar o fôlego, comecei a libertá‑lo do que parecia
ser uma longa e fina corrente de prata. — Coitadinho — murmurei,
não me apercebendo imediatamente do absurdo do comentário.
Tenho dedos ágeis e consegui libertar‑lhe rapidamente os pulsos. Pensei
em como as Ratazanas teriam conseguido distraí‑lo para o prender
com a corrente e dei comigo a corar enquanto o fazia.
O vampiro ergueu os braços até ao peito enquanto lhe libertava
as pernas. Os tornozelos estavam melhor porque os drenadores não se
tinham dado ao trabalho de lhe puxar as calças de ganga para cima,
não colocando a corrente sobre a pele nua.
— Lamento não ter chegado mais depressa — desculpei‑me. —
Vais sentir‑te melhor num minuto, não é? Queres que me vá embora?
— Não.
Aquilo fez‑me sentir muito bem até acrescentar:
— Podem regressar e ainda não consigo enfrentá‑los.
A sua voz calma parecia irregular, mas não posso dizer que ouvi
a respiração acelerada.
Esbocei‑lhe uma expressão azeda e, enquanto recuperava, tomei
precauções. Voltei‑lhe as costas, dando‑lhe privacidade. Sei como é desagradável
que nos observem fixamente enquanto sofremos. Sentei‑me
no alcatrão, vigiando o parque de estacionamento. Vários carros par18
tiram e outros chegaram, mas nenhum se aproximou de nós. Percebi
pela deslocação de ar atrás de mim que o vampiro se pusera de pé.
Não falou de imediato. Voltei a cabeça para a esquerda para
olhá‑lo. Estava mais próximo do que pensara. Os seus grandes olhos
escuros fixaram‑se nos meus. Os caninos estavam retraídos. Isso desiludiu‑me
um pouco.
— Obrigado — disse, friamente.
Não estava eufórico por ter sido salvo por uma mulher. Típico.
Porque estava a ser tão pouco delicado, achei que também podia
fazer alguma coisa rude e ouvi‑o, abrindo a mente por completo.
E… não ouvi nada.
— Oh… — exclamei, percebendo o choque na minha própria voz
e mal percebendo que falava em voz alta. — Não consigo ouvir‑te.
— Obrigado! — repetiu o vampiro, movendo os lábios de forma
exagerada.
— Não é isso… Consigo ouvir‑te falar, mas… — e, na minha excitação,
fiz algo que habitualmente nunca teria feito porque era demasiado
pessoal e carente, revelando a minha deficiência. Voltei‑me
para ele, pus as mãos de ambos os lados da sua cara pálida e olhei‑o
fixamente. Concentrei‑me com toda a minha força. Nada. Era como
ser forçada a ouvir constantemente num rádio estações que não podia
escolher e, de repente, sintonizar uma frequência vazia.
Era fantástico.
Os seus olhos abriam‑se mais e tornavam‑se mais escuros, apesar
de permanecer completamente imóvel.
— Desculpa — consegui dizer, embaraçada. Afastei as mãos e
recomecei a olhar o parque de estacionamento. Falei ao acaso sobre
Mack e Denise, pensando constantemente em como era maravilhoso
estar acompanhada por alguém que eu não conseguia ouvir a não ser
que ele falasse. Como era belo o seu silêncio.
— … achei melhor vir ver como estavas — concluí, sem ideia do
que dissera antes.
— Vieste salvar‑me. Foi corajoso — disse ele, com uma voz tão
sedutora que teria feito DeeAnne saltar para fora das suas cuecas de
nylon vermelho com um arrepio.
— Pára com isso — disse eu, com rispidez, como o barulho de
um terramoto.
Pareceu surpreso, por um segundo, antes de a sua expressão retornar
à lívida serenidade anterior.
19
— Não tens medo de ficar sozinha com um vampiro faminto? —
perguntou, com um tom matreiro e perigoso na voz.
— Não.
— Achas que, por teres vindo salvar‑me, estás segura? Que mantenho
alguma sentimentalidade depois destes anos todos? É frequente
que os vampiros se voltem contra quem confia neles. Não temos os
mesmos valores dos humanos.
— Muitos humanos voltam‑se contra quem confia neles — referi.
Consigo ser pragmática. — Não sou completamente parva. — Estiquei
o braço e voltei a cara. Enquanto esperava que recuperasse, enrolei a
corrente das Ratazanas em redor do pescoço e dos braços.
Vi‑o estremecer.
— Mas tens uma artéria apetitosa na virilha — disse, depois de
fazer uma pausa para se recompor, com a voz tão sinuosa como uma
serpente num escorrega.
— Nada de palavreado ordinário — disse‑lhe. — Não admito isso.
Olhámo‑nos novamente em silêncio. Receei não voltar a vê‑lo.
Afinal, aquela primeira visita ao Merlotte’s não fora propriamente um
sucesso. Tentava absorver o máximo de pormenores. Recordaria durante
muito, muito tempo, aquele encontro. Era algo raro. Como um
tesouro. Queria voltar a tocar‑lhe a pele. Não conseguia recordar a sensação.
Mas isso seria ultrapassar uma fronteira de decência e poderia
ocasionar que ele fizesse algum disparate sedutor.
— Gostarias de beber o sangue que recolheram? — perguntou
ele, de forma inesperada. — Seria uma maneira de mostrar a minha
gratidão. — Apontou os frascos sobre o alcatrão. — Diz‑se que o nosso
sangue consegue melhorar a vida sexual e a saúde.
— Tenho uma saúde de ferro — disse‑lhe, com toda a honestidade.
— E não tenho propriamente uma vida sexual. Faz o que quiseres
com ele.
— Poderias vendê‑lo — sugeriu, mas achei que o fez apenas para
ver o que eu diria.
— Nem sequer lhe toco — disse, insultada.
— És diferente — disse. — Tu és o quê? — Pareceu conferir uma
lista mental de possibilidades pela forma como me olhava. Para minha
satisfação, não consegui ouvir nada.
— Sou a Sookie Stackhouse e sou uma empregada de bar — disse‑lhe.
— Como te chamas? — Achei que podia perguntar aquilo sem
ser atrevida.
20
— Bill — respondeu.
Não consegui impedir uma gargalhada.
— O vampiro Bill! — disse. — Achei que pudesses ser Antoine,
Basil ou Langford! Bill! — Há muito tempo que não me ria assim. —
Até à vista, Bill. Tenho de voltar para o trabalho. — Conseguia sentir
o sorriso tenso regressar aos meus lábios quando pensei no Merlotte’s.
Pus a mão no ombro de Bill e ergui‑me. Senti que estava rígido e endireitei‑me
tão rapidamente que quase cambaleei. Examinei as meias
para me certificar de que estavam no sítio e procurei mazelas na farda
resultantes do confronto com as Ratazanas. Sacudi o pó do rabo e acenei
a Bill, iniciando a caminhada através do parque de estacionamento.
Fora uma noite estimulante, com muita coisa em que pensar. Reflectindo
no assunto, sentia que o sorriso que esboçava era perfeitamente
justificado.
Mas Jason ficaria muito irritado quando soubesse da corrente.
Nessa noite, depois do trabalho, regressei a casa, cerca de seis quilómetros
a sul do bar. Jason partira (e DeeAnne também) quando regressei
e isso fora outro elemento positivo. Passava a noite em revista quando
cheguei a casa da minha avó, onde vivia. Ficava imediatamente antes
do cemitério de Tall Pines que, por sua vez, se situava junto a uma
estrada secundária de dois sentidos. Foi o meu tetravô que construiu
a casa e gostava de privacidade. Para chegar lá, era necessário sair da
estrada e passar por uma zona arborizada até à clareira em que se situava
a casa.
Não é certamente nenhum monumento histórico, já que a maioria
das partes mais antigas foram arrancadas e substituídas ao longo
dos anos e, obviamente, tem electricidade, canalização e isolamento,
todas essas comodidades modernas. Mas mantém o telhado de zinco
que reflecte a luz nos dias soalheiros. Quando o telhado precisou de ser
substituído, quis instalar telhas comuns, mas a minha avó não concordou.
Apesar de ser eu a pagar, a casa é dela e o zinco manteve‑se.
Mais ou menos histórica, vivi nesta casa desde os meus sete anos
e visitava‑a com frequência antes disso porque gostava muito dela. Era
uma grande e velha casa de família, demasiado grande apenas para a
avó e para mim. Tinha uma fachada ampla, antecedida por um alpendre
coberto e estava pintada de branco, de acordo com as convicções
tradicionalistas da minha avó. Atravessei a grande sala de estar, decorada
com mobiliário velho remendado para servir as nossas necessida21
des, alcançando o corredor e percorrendo‑o até ao primeiro quarto à
esquerda, o maior de todos.
Adele Hale Stackhouse, a minha avó, estava recostada na sua
cama alta, com uma torre de almofadas por trás dos ombros magros.
Vestia uma camisa de noite de algodão com mangas longas, mesmo
com o ar quente daquela noite de Primavera. Tinha o candeeiro da
mesa‑de‑cabeceira ligado e um livro aberto no colo.
— Olá — disse‑lhe.
— Olá, querida.
A minha avó é muito pequena e muito velha, mas o cabelo continua
espesso e tão branco que quase adquire uma muito ligeira tonalidade
esverdeada. Prende‑o junto ao pescoço durante o dia, mas, à
noite, solta‑o ou faz uma trança. Olhei a capa do livro.
— Outra vez a ler a Danielle Steel?
— Esta mulher sabe como contar uma história. — Os maiores
prazeres na sua vida eram ler livros de Danielle Steele, ver as suas telenovelas
(a que chamava «histórias») e participar em reuniões da miríade
de clubes a que parecera ter pertencido durante toda a sua vida
adulta. Os seus preferidos eram os Descendentes dos Mortos Gloriosos
e a Sociedade de Jardinagem de Bon Temps.
— Consegues adivinhar o que aconteceu hoje? — perguntei.
— O que foi? Tens um encontro?
— Não — respondi, esforçando‑me por manter o sorriso. — Um
vampiro veio ao bar.
— Oh! Tinha caninos aguçados?
Vira‑os reflectindo a luz dos candeeiros do parque de estacionamento
enquanto as Ratazanas o drenavam, mas não era necessário
descrever‑lhos.
— Claro. Mas estavam retraídos.
— Um vampiro em Bon Temps. — Notava‑se que estava agradada.
— Mordeu alguém no bar?
— Claro que não, avó! Sentou‑se e bebeu um copo de vinho tinto.
Bom… pediu‑o, mas não bebeu. Acho que só queria companhia.
— Onde será que ele dorme?
— Duvido que o partilhasse com alguém.
— Não — disse, depois de pensar por um momento. — Não me
parece que partilhasse. Gostaste dele?
Ali estava uma pergunta complicada. Pensei antes de responder.
— Não sei. Mas era muito interessante — disse, com cautela.
22
— Gostava muito de o conhecer. — Não me surpreendia que dissesse
isto porque gostava de novidades quase tanto como eu. Não pensava
como aqueles reaccionários que determinaram logo à partida que
os vampiros eram malditos. — Mas é melhor ir dormir. Estava à espera
que chegasses antes de apagar a luz.
Debrucei‑me para a beijar e disse:
— Boa noite.
Fechei a porta até meio quando saí e ouvi‑a desligar o candeeiro.
Tina, a minha gata, aproximou‑se do sítio onde deveria estar a dormir
e roçou‑se nas minhas pernas. Peguei‑lhe e acariciei‑a durante um momento
antes de a levar até à rua, onde passaria a noite. Olhei o relógio.
Eram quase duas da manhã e a minha cama chamava‑me.
O meu quarto ficava à frente do da avó, do outro lado do corredor.
Quando lá dormi pela primeira vez, depois da morte dos meus
pais, a minha avó trouxe a minha mobília da casa deles para me ambientar
melhor. E ali continuava. A cama de solteiro, a mesa e o espelho
em madeira pintada de branco, a pequena cómoda.
Apaguei a luz e fechei a porta antes de começar a despir‑me. Tinha
pelo menos cinco pares de calções pretos e muitas camisolas de
manga curta brancas porque estas se manchavam com facilidade. E
o número de pares de meias brancas enrolados numa gaveta era impossível
de determinar. Não precisaria de lavar roupa naquela noite.
Estava demasiado cansada para um duche. Escovei os dentes e limpei a
maquilhagem da cara, aplicando hidratante e soltando o cabelo.
Enfiei‑me na cama com a minha camisola preferida do Rato Mickey,
que me chegava quase aos joelhos. Voltei‑me para o lado, como
sempre fazia, e apreciei o silêncio do quarto. A maior parte dos cérebros
desligava‑se durante a noite e a vibração desaparecia. Deixava de
ser necessário repelir intrusões. Com aquela paz, podia pensar apenas
nos olhos escuros do vampiro antes de a exaustão trazer um sono profundo.
À hora de almoço no dia seguinte estava sentada na minha cadeira
reclinável em alumínio no quintal da frente, deixando que o sol me
bronzeasse a pele. Vestia o meu biquíni preferido e agradava‑me muito
que estivesse um pouco mais folgado do que no Verão anterior.
Foi então que ouvi um carro subir a estrada e a carrinha preta
de Jason com a decoração azul e rosa parou a um metro dos meus
pés.
23
Jason desceu (esqueci‑me de referir que a carrinha tem daqueles
pneus altos) e caminhou até junto de mim. Vestia a roupa de trabalho
habitual, camisa e calças caqui, com a faca embainhada presa
ao cinto, como sucedia com a maior parte dos trabalhadores rodoviários
do condado. Percebi que estava irritado pela forma como se
movia.
Pus os óculos escuros.
— Porque não me disseste que espancaste os Rattray ontem à noite?
— Deixou‑se cair sobre a cadeira de jardim a meu lado. — Onde
está a avó? — perguntou, fora de tempo.
— A pendurar a roupa — respondi. Usava a máquina de secar
quando necessário, mas agradava‑lhe pendurar as roupas molhadas
ao sol. Obviamente, o arame da roupa ficava no quintal dos fundos,
o local onde deveria estar. — E também faz o almoço. Bife grelhado
com as batatas‑doces e o feijão‑verde que semeou no ano passado —
acrescentei, sabendo que isso o distrairia um pouco. Esperei que a avó
ficasse nas traseiras. Não queria que ouvisse aquela conversa. — Fala
baixo — disse‑lhe.
— O Rene Lenier mal podia esperar que chegasse ao trabalho
hoje de manhã para me contar tudo. Foi à caravana dos Rattray para
comprar erva ontem à noite e Denise parecia capaz de matar alguém.
O Rene diz que escapou por pouco, tal era a fúria. Teve de a ajudar a
levar Mack para dentro da caravana e, depois, levaram‑no ao hospital
em Monroe. — Jason olhou‑me com ar de reprovação.
— O Rene contou‑te que o Mack me atacou com uma faca? —
perguntei, decidindo que passar à ofensiva seria a melhor forma de
lidar com a situação. Conseguia perceber que o desagrado de Jason se
devia sobretudo ao facto de ter sabido por terceiros.
— Se a Denise falou disso ao Rene, ele não me disse nada — disse,
lentamente, e vi a raiva alterar‑lhe a face vistosa. — Atacou‑te com uma
faca?
— E tive de me defender — continuei, como se fosse uma questão
simples. — Além disso, ele ficou com a tua corrente. — Era a verdade,
ainda que um pouco manipulada. — Fui dizer‑te — continuei —,
mas, quando voltei ao bar, tinhas ido embora com a DeeAnne e, como
estava bem, achei que não valeria a pena procurar‑te. Sabia que te sentirias
obrigado a procurá‑lo se te falasse da faca — acrescentei, com diplomacia.
Havia muita verdade naquela afirmação. Jason adorava uma
boa zaragata.
24
— E que fazias tu com eles afinal? — perguntou, mas estava mais
tranquilo e eu sabia que ele começava a aceitar.
— Sabias que, além de venderem droga, as Ratazanas drenam
vampiros?
Agora estava fascinado.
— Não. E então?
— Um dos meus clientes ontem à noite era um vampiro e estavam
a drená‑lo no parque de estacionamento do Merlotte’s! Tinha de fazer
alguma coisa.
— Há um vampiro em Bon Temps?
— Sim. Mesmo que não queiras um vampiro como melhor amigo,
não podes deixar que lixo como as Ratazanas o drenem. Não é o
mesmo que tirar a gasolina de um carro. E tê‑lo‑iam deixado na floresta
para morrer. — Apesar de não terem partilhado comigo as suas
intenções, era esse o meu palpite. Mesmo que o cobrissem para sobreviver
até ao nascer do sol, um vampiro drenado levava pelo menos
vinte anos a recuperar. Pelo menos, foi isso que disseram na Oprah. E
só se houver outro vampiro a cuidar dele.
— O vampiro estava no bar enquanto lá estive? — perguntou Jason,
espantado.
— Sim. O tipo de cabelo escuro sentado com as Ratazanas.
A minha alcunha para os Rattray fez Jason sorrir. Mas ainda não
estava disposto a passar à frente da noite anterior.
— Como soubeste que era um vampiro? — perguntou, mas,
quando me olhou, percebi que preferia ter ficado calado.
— Soube — disse, com a minha voz mais neutra.
— Claro. — E partilhámos um diálogo completo sem palavras.
— Homulka não tem um vampiro — disse Jason, pensativo. Inclinou
a cara para apanhar sol e soube que pisávamos terreno perigoso.
— É verdade — concordei.
Homulka era a cidade que Bon Temps adorava odiar. Há inúmeras
gerações que éramos rivais no futebol americano, no basquetebol e
na importância histórica.
— Nem Roedale — disse a avó atrás de nós, fazendo‑nos saltar
aos dois. Reconheço a Jason o mérito de abraçar a avó de cada vez que
a vê.
— Avó, tem comida que chegue para mim?
— Para ti e para mais dois iguais — respondeu, sorrindo‑lhe. Conhecia
os seus defeitos (e também os meus), mas amava‑o. — Falava
25
ao telefone com a Everlee Mason. Contou‑me que passaste a noite com
a DeeAnne.
— Bolas. Não posso fazer nada nesta cidade sem ser apanhado —
disse Jason, fingindo‑se irritado.
— Essa DeeAnne — disse a avó em tom de aviso quando começámos
a dirigir‑nos para casa — já ficou grávida pelo menos uma vez.
Toma cuidado para não lhe acontecer o mesmo contigo ou acabarás a
pagar‑lhe para o resto da vida. Ainda que talvez seja essa a única forma
de ter netos!
A comida esperava‑nos sobre a mesa e, depois de Jason pendurar
o chapéu, sentámo‑nos e demos graças. A avó e Jason começaram
a trocar mexericos (apesar de preferirem chamar‑lhe «pôr a conversa
em dia») sobre as pessoas da nossa pequena cidade e do condado circundante.
O meu irmão trabalhava para o estado como supervisor de
equipas de construção e reparação de estradas. Parecia‑me que o dia
de Jason consistia em guiar uma carrinha do estado, picando o ponto
e guiando a sua carrinha própria durante toda a noite. Rene fazia parte
de uma das equipas a cargo de Jason e tinham andado juntos no liceu.
Passavam muito tempo com Hoyt Fortenberry.
— Sookie, tive de substituir o esquentador em casa — disse Jason,
subitamente. Vivia na casa que pertenceu aos nossos pais, onde vivíamos
quando morreram numa inundação. Passámos a viver com a avó
depois disso, mas, quando Jason acabou os seus dois anos de universidade
e foi trabalhar para o estado, mudou‑se para a velha casa, mesmo
que, oficialmente, metade me pertença.
— Precisas de dinheiro? — perguntei.
— Não. Está tudo bem,
Ambos trabalhávamos, mas recebíamos dinheiro adicional de
um fundo estabelecido quando se descobriu um poço de petróleo na
propriedade dos nossos pais. O poço esgotou‑se pouco depois, mas
os nossos pais e a avó certificaram‑se de que o dinheiro seria investido.
Esse rendimento salvou‑nos aos dois de muitas dificuldades. Não
sei como a avó teria conseguido criar‑nos de outra forma. Ela estava
determinada a não vender o terreno, mas o seu rendimento provinha
quase exclusivamente da segurança social. Era uma razão para eu não
arranjar um apartamento. Se comprasse comida enquanto vivia com
ela, parecer‑lhe‑ia razoável, mas se comprasse comida e lha trouxesse,
deixando‑a na mesa antes de ir para uma casa própria, passaria a ser
caridade e ela ficaria furiosa.
26
— Que tipo de esquentador compraste? — perguntei, apenas para
mostrar interesse.
Estava ansioso por me dizer. Jason tinha a mania dos electrodomésticos
e queria descrever em pormenor a sua busca comparativa por
um novo esquentador. Ouvi com a atenção que consegui reunir.
Até que se interrompeu a si próprio.
— Sook, lembras‑te da Maudette Pickens?
— Claro — respondi, surpreendida. — Acabámos o liceu no mesmo
ano.
— Alguém a matou no apartamento ontem à noite.
Aquilo chocou‑me a mim e à avó.
— Quando? — perguntou ela, intrigada por ainda não saber do
assunto.
— Encontraram‑na hoje de manhã no quarto. O patrão tentou
ligar‑lhe para descobrir porque não tinha vindo trabalhar ontem
e hoje e ninguém atendeu. Foi até lá e pediu ao proprietário para
abrir a porta. O apartamento dela é à frente do de DeeAnne. — Bon
Temps tinha apenas um complexo de apartamentos legítimo, três
edifícios de dois andares dispostos em U. Sabíamos exactamente a
que se referia.
— Mataram‑na aí? — Senti‑me mal. Lembrava‑me muito bem
de Maudette. Tinha um queixo saliente e um rabo quadrado, cabelo
preto bonito e ombros largos. Subsistia sem grandes ambições ou
inteligência. Não estava segura, mas parecia‑me que trabalhara no
Grabbit Kwik, uma mistura de estação de serviço com loja de conveniência.
— Sim. Acho que trabalhava lá há pelo menos um ano — confirmou
Jason.
— Como foi? — A avó tinha aquela expressão receosa e incerta
com que as pessoas simpáticas pedem más notícias.
— Tinha marcas de vampiro na… hmm… na parte interior das
coxas — disse o meu irmão, olhando para o prato. — Mas não foi isso
que a matou. Foi estrangulada. A DeeAnne contou‑me que a Maudette
gostava de ir àquele bar de vampiros em Shreveport quando tinha uns
dias de folga. Talvez isso explique as marcas. Pode não ter sido o vampiro
da Sookie.
— A Maudette era vampirófila? — Senti‑me estranha ao imaginar
a lenta e anafada Maudette dentro dos bizarros vestidos pretos que as
vampirófilas costumavam usar.
27
— Era o quê? — perguntou a avó. Devia ter perdido o episódio da
Sally Jessy em que o fenómeno foi explorado.
— São homens e mulheres que convivem com vampiros e gostam
de ser mordidos. Fãs de vampiros. Acho que não duram muito tempo
porque querem ser mordidos com demasiada avidez e, mais cedo ou
mais tarde, há uma dentada que acaba por ir longe demais.
— Mas não foi uma dentada a matar a Maudette. — A avó queria
certificar‑se de que tinha compreendido bem.
— Não. Foi estrangulada. — Jason terminava o almoço.
— Não abasteces a carrinha no Grabbit? — perguntei eu.
— Claro. Muitos o fazem.
— E não passaste algum tempo com a Maudette? — perguntou
a avó.
— Sim. De certa forma — respondeu Jason com cautela.
Interpretei aquilo como confirmação de que dormia com Maudette
quando não conseguia encontrar ninguém melhor.
— Espero que o xerife não queira falar contigo — disse a avó,
abanando a cabeça como se o gesto conseguisse torná‑lo menos provável.
— O quê? — Jason ficou vermelho e pareceu assumir uma postura
defensiva.
— Vias a Maudette todos os dias quando ias abastecer‑te de gasolina,
namoravas com ela de certa forma e ela aparece morta num apartamento
que conheces bem — resumi‑lhe a situação. Não era muito,
mas era alguma coisa e havia muito poucos homicídios misteriosos em
Bon Temps, fazendo‑me pensar que todas as hipóteses seriam ponderadas
na investigação daquele.
— Não sou o único a cumprir esses requisitos. Há muitos outros
tipos a meter gasolina no mesmo sítio e todos conheciam a Maudette.
— Sim, mas em que sentido? — perguntou a avó, sem rodeios.
— Não era uma prostituta, pois não? Terá falado a alguém sobre os
homens na sua vida.
— Gostava de se divertir. Mas não era profissional. — Era simpático
de Jason defender Maudette, levando em consideração o que
conhecia da sua personalidade egoísta. Comecei a ter uma opinião um
pouco melhor do meu irmão mais velho. — Acho que se sentia sozinha
— acrescentou.
Jason olhou‑nos a ambas e viu que estávamos surpresas e comovidas.
28
— Falando em prostitutas — disse, prontamente —, há uma em
Monroe especializada em vampiros. Tem um tipo por perto com uma
estaca para o caso de algum ir longe demais. Bebe sangue sintético para
garantir abastecimento constante.
Era uma mudança de assunto demasiado brusca. A avó e eu tentámos
pensar numa pergunta que pudéssemos colocar que não fosse
indecente.
— Quanto será que cobra? — atrevi‑me. E, quando Jason partilhou
a quantia que ouvira referir, ficámos as duas chocadas.
Ultrapassado o assunto do homicídio de Maudette, o almoço decorreu
como era habitual, com Jason olhando o relógio e exclamando
que precisava de se ir embora quando chegou a altura de lavar os pratos.
Mas descobri que a mente da avó continuava povoada por vampiros.
Veio ao meu quarto mais tarde, quando eu aplicava a maquilhagem
para ir trabalhar.
— Que idade achas que tem o vampiro que conheceste?
— Não faço ideia, avó. — Aplicava o rímel, abrindo muito os
olhos e tentando manter‑me imóvel para não espetar um olho. Isto alterou‑me
a voz, fazendo‑me parecer alguém que prestava provas para
um filme de terror.
— Achas que… poderá lembrar‑se da guerra?
Não precisei de perguntar a que guerra se referia. Afinal, a avó era
membro destacado dos Descendentes dos Mortos Gloriosos.
— É possível — respondi, voltando a cara para me certificar de
que o rouge estava igualmente distribuído dos dois lados.
— Achas que aceitará vir falar connosco sobre o assunto? Poderíamos
organizar uma reunião especial.
— De noite — recordei.
— Ah. Sim, teria de ser de noite. — Os Descendentes costumavam
reunir‑se ao meio‑dia na biblioteca, trazendo o almoço de casa.
Pensei no assunto. Seria indelicado sugerir ao vampiro que deveria
falar no clube da minha avó porque o salvara dos drenadores, mas
talvez se oferecesse ao perceber a dica. Não me agradava, mas fá‑lo‑ia
pela avó.
— Pergunto‑lhe da próxima vez que vier ao bar — prometi.
— No mínimo, podia vir falar comigo e talvez pudesse gravar as
suas memórias — disse ela. Quase conseguia ouvir o que lhe passava
pela cabeça, imaginando o quanto aquilo lhe agradaria. — Seria muito
interessante para os outros membros — disse, mantendo‑se comedida.
29
Consegui suprimir uma gargalhada.
— Vou sugerir‑lho — disse. — Veremos.
Quando saí, era óbvio que a avó contava com os ovos dentro da
galinha.
Não esperei que Rene Lenier contasse a história do parque de estacionamento
ao Sam. Ele tinha estado muito ocupado. Quando cheguei ao
trabalho nessa tarde, presumi que a agitação que sentia no ar se devesse
ao homicídio de Maudette. Estava enganada.
Sam empurrou‑me para o armazém logo que cheguei. Estava furioso
e não tentava escondê‑lo.
Era a primeira vez que me falava naquele tom e não tardei a estar
prestes a chorar.
— Se achas que um cliente corre perigo, apenas tens que dizer‑me
e serei eu a lidar com o assunto. Não tu — repetia‑o pela sexta vez
quando percebi finalmente que Sam receara pela minha segurança.
Ouvi‑o antes de lhe bloquear os pensamentos. Ler a mente do
patrão pode ser desastroso.
Nunca me tinha ocorrido pedir ajuda a Sam ou a qualquer outra
pessoa.
— Quando te parecer que alguém está a ser agredido no parque
de estacionamento, deves chamar a polícia e não lidar com o assunto
sozinha — bradou. A sua pele clara, sempre corada, estava mais
vermelha do que o habitual, e o cabelo louro parecia não ter sido
penteado.
— Está bem — disse, tentando manter a voz estável e abrindo
muito os olhos para travar as lágrimas. — Vais despedir‑me?
— Não! Não! — exclamou, parecendo ainda mais irritado. — Não
te quero perder! — Segurou‑me pelos ombros e abanou‑me um pouco.
A seguir, olhou‑me fixamente com aqueles olhos azuis intensos e
senti o calor que dele emanava. O toque acelera a minha deficiência,
tornando imperativo que ouça a pessoa que me toca. Olhei‑o nos olhos
por um longo momento antes de me recompor, dando um passo atrás
quando baixou as mãos.
Dei meia volta e saí do armazém, assustada.
Descobrira algumas coisas desconcertantes. Sam desejava‑me e
não conseguia ouvir os seus pensamentos com a mesma clareza dos
pensamentos dos outros. Captara ondas de sentimento, mas nenhum
pensamento. Assemelhava‑se mais a usar um daqueles anéis que mu30
dam de cor conforme a posição em que observam, do que a receber
um fax.
E que fiz eu com essas informações?
Absolutamente nada.
Nunca vira Sam como potencial companheiro de cama, pelo menos
não para mim, por várias razões. Mas a mais simples era o facto
de nunca olhar ninguém dessa forma. Não por não ter hormonas (tenho‑as
em grande número), mas são constantemente reprimidas porque,
para mim, o sexo é um desastre. Conseguem imaginar saber tudo
o que o vosso parceiro pensa? Pois. Coisas como: «Bolas, olhem este
sinal… o rabo dela é um pouco grande… gostava que se movesse um
pouco para a direita… porque não percebe a indirecta e…?» Dá para
perceber. Acreditem quando vos digo que é tenebroso a nível emocional.
E, durante o sexo, não há forma de manter as defesas elevadas.
Além disso, gosto de Sam como patrão e gosto do meu emprego,
que me permite sair e me mantém activa e a ganhar dinheiro, impedindo‑me
de me transformar na reclusa que a minha avó receia. Trabalhar
num escritório é difícil para mim e a universidade tornou‑se impossível
devido aos níveis de concentração exigidos. Esgotava‑me.
Tentaria acalmar o desejo que sentia vindo dele. Não se tinha declarado
nem me tinha atirado ao chão do armazém. Captara os seus
sentimentos e podia ignorá‑los se quisesse. Compreendia a delicadeza
do assunto e questionava‑me se Sam me teria tocado de propósito,
como se soubesse aquilo que eu era.
Tive o cuidado de não ficar sozinha com ele, mas tenho de admitir
que, nessa noite, me senti muito abalada.
As duas noites seguintes foram melhores. Voltámos à nossa relação
confortável. Senti‑me aliviada. Senti‑me desiludida. E também me
senti esgotada porque a morte de Maudette desencadeou um aumento
da clientela do Merlotte’s. Circulavam vários tipos de rumores por Bon
Temps e uma equipa de reportagem de Shreveport fez uma reportagem
breve sobre o homicídio sinistro de Maudette Pickens. Apesar de
não ter ido ao funeral, a minha avó foi e contou‑me que a igreja estava
apinhada. A pobre Maudette anafada, com as suas coxas mordidas, era
mais interessante morta do que alguma vez fora em vida.
Estava quase a ter dois dias de folga e preocupou‑me não conseguir
contactar Bill, o vampiro. Precisava de lhe transmitir o pedido da
avó. Não voltara ao bar e começava a questionar‑me se ele o faria.
31
Mack e Denise também não tinham voltado, mas Rene Lenier e
Hoyt Fortenberry certificaram‑se de que eu soubesse que tinham ameaçado
fazer‑me coisas terríveis. Não posso dizer que me tenha sentido
grandemente alarmada. Lixo criminoso como as Ratazanas vagueava
pelas estradas e parques de caravanas da América, não sendo suficientemente
inteligentes para se fixarem num local nem para adoptar
formas de vida produtivas. Não deixavam qualquer marca positiva no
mundo e achava‑os insignificantes. Ignorei os avisos de Rene.
Mas ele gostava de os transmitir. Rene Lenier era baixo como
Sam, mas, enquanto Sam era louro e corado, Rene era moreno e tinha
a cabeça coberta de cabelo áspero e preto com alguns traços grisalhos.
Vinha com frequência ao bar para um copo e para visitar Arlene porque
(como gostava de contar) era a sua ex‑mulher preferida. Tivera
três. Hoyt Fortenberry era mais discreto que Rene. Não era louro nem
moreno, nem alto nem baixo. Parecia sempre bem‑disposto e dava gorjetas
decentes. Admirava o meu irmão muito além do que, na minha
opinião, Jason merecia.
Fiquei feliz por Rene e Hoyt não estarem presentes na noite em
que o vampiro regressou.
Sentou‑se à mesma mesa.
Agora que o tinha à minha frente, senti‑me algo envergonhada.
Percebi que esquecera o brilho quase imperceptível da sua pele. Exagerara
a sua altura nas minhas memórias e também a definição das linhas
da boca.
— Que queres beber? — perguntei.
Olhou‑me. Esquecera também a profundidade do seu olhar. Não
sorriu nem pestanejou. Permaneceu imóvel. Pela segunda vez, deixei‑me
acalmar pelo seu silêncio. Quando baixei a guarda, consegui
sentir a expressão suavizar. Era tão bom como ser massajada (suponho).
— Tu és o quê? — perguntou‑me. Era a segunda vez que tentava
saber.
— Sou uma empregada — disse, voltando a fingir não o ter compreendido.
Conseguia sentir o sorriso a regressar à cara. A minha partícula
de paz desaparecera.
— Vinho tinto — pediu. E, se estava desiludido, não consegui
percebê‑lo pela voz.
— Claro — disse. — O sangue sintético deve chegar amanhã. Posso
falar contigo depois do trabalho? Tenho um favor a pedir‑te.
32
— Com certeza. Estou em dívida. — E não parecia agradar‑lhe.
— Não é um favor para mim! — Também eu começava a ficar
irritada. — É para a minha avó. Se estiveres acordado quando sair do
trabalho… bom… acho que estarás acordado à uma e meia, importas‑te
de vir ter comigo à porta dos funcionários nas traseiras do bar?
— Indiquei‑a com a cabeça e senti o rabo‑de‑cavalo dançar‑me sobre
os ombros. Os olhos dele seguiram o movimento do meu cabelo.
— Com todo o gosto.
Não percebi se aquilo era uma manifestação da cortesia que a avó
insistia ser o padrão no passado ou se estava apenas a gozar comigo.
Resisti à tentação de lhe deitar a língua de fora. Voltei‑lhe as costas
e caminhei até ao balcão. Quando lhe trouxe o vinho, deu‑me uma
gorjeta de vinte por cento. Pouco depois, olhei para a sua mesa, descobrindo
que tinha desaparecido. Eu pensava se ele iria ou não cumprir
a promessa.
Arlene e Dawn saíram antes que estivesse pronta. Sobretudo porque
os suportes de guardanapos da minha zona estavam parcialmente
vazios. Quando fui buscar a mala ao armário no gabinete do Sam, onde
a guardo enquanto trabalho, disse adeus ao patrão. Ouvia‑o na casa de
banho dos homens, provavelmente tentando arranjar uma sanita com
fugas. Entrei na casa de banho das senhoras por um segundo para conferir
o estado do cabelo e da maquilhagem.
Quando saí, reparei que Sam já tinha desligado as luzes do parque
de estacionamento dos clientes. E era apenas a luz de segurança no
poste de electricidade à frente da sua caravana que iluminava o parque
vazio dos empregados. Para diversão de Arlene e Dawn, Sam criara
um jardim à frente da caravana, plantando buxo, e era constantemente
provocado pelo aprumo da sua sebe.
Eu achava que era bonito.
Como sempre, a carrinha de Sam estava estacionada junto à caravana
e o meu carro era o único no parque.
Estiquei‑me, olhei para um lado e para o outro. Não havia sinais
de Bill. Surpreendeu‑me que me sentisse tão desiludida. Esperara realmente
que fosse cortês, mesmo que não o sentisse no coração (teria
coração?).
Sorrindo, pensei que talvez saltasse de uma árvore ou surgisse
do nada com um estrondo! À minha frente, enrolado numa capa preta
com forro vermelho. Mas nada aconteceu. Por isso, fui até ao carro.
Esperara uma surpresa, mas não aquela.
33
Mack Rattray ergueu‑se por trás do meu carro e, com um passo, ficou
suficientemente próximo para me atingir no queixo. Ele não conteve
a força e caí sobre a gravilha como um saco de cimento. Gritei ao cair,
mas o chão roubou‑me o fôlego e alguns pedaços de pele. Fiquei calada,
sem fôlego e indefesa. A seguir, vi Denise recuando a bota pesada e consegui
apenas enrolar‑me antes de os Rattray começarem a pontapear‑me.
A dor foi imediata, intensa e implacável. Lancei instintivamente
os braços sobre a cara, absorvendo os golpes com os antebraços, pernas
e costas.
Durante os primeiros segundos, acho que acreditei que parariam,
insultando‑me e ameaçando‑me antes de partirem. Mas recordo o momento
exacto em que percebi que queriam matar‑me.
Podia ficar ali deitada, aceitando passivamente o espancamento,
mas não deixaria que me matassem.
Segurei a perna que se aproximou em seguida com toda a força.
Tentava mordê‑la, esperando deixar pelo menos uma marca. Nem sequer
sabia a quem pertencia.
Então, por trás de mim, ouvi um rosnado. Pensei que tinham
trazido um cão. O rosnado era decididamente hostil. Se tivesse tido
tempo para reagir devidamente, o cabelo da nuca ter‑se‑ia arrepiado.
Senti mais um pontapé nas costas e o espancamento parou.
O último pontapé provocara um efeito terrível. Conseguia ouvir
a minha respiração dificultada e um estranho ruído gorgolejante que
parecia vir dos pulmões.
— Que raio é aquilo? — perguntou Mack Rattray, parecendo assustado.
Voltei a ouvir o rosnado atrás de mim. E, de outra direcção, ouvi
uma espécie de rugido. Denise começou a gritar e Mack praguejava.
Denise afastou a perna das minhas mãos, que tinham perdido a força
que lhes restava. Os meus braços caíram ao chão. Pareciam estar fora
do meu controlo. Apesar de ter a visão enevoada, conseguia ver que o
braço direito estava partido. Sentia a cara húmida. Assustava‑me continuar
a avaliar os meus ferimentos.
Mack começou a gritar, juntando‑se a Denise e parecia haver um
turbilhão de actividade em meu redor, mas não me conseguia mover.
Via apenas o braço partido, os joelhos esfolados e a escuridão por baixo
do carro.
Algum tempo depois, houve silêncio. Atrás de mim, um cão gania.
Um nariz frio tocou‑me a orelha e uma língua quente lambeu‑a.
34
Tentei erguer a mão para acariciar o animal que me teria salvo a vida,
mas não consegui. Ouvi‑‑me suspirar. Parecia vir de muito longe.
Aceitando os factos, disse:
— Estou a morrer.
Começou a parecer‑me cada vez mais real. Os sapos e os grilos
que cantavam a noite silenciaram‑se com toda a actividade e barulho
no parque de estacionamento e a minha voz fraca ampliou‑se na escuridão.
Estranhamente, ouvi duas vozes depois disso.
Em seguida, dois joelhos cobertos de ganga azul ensanguentada
entraram no meu campo visual. O vampiro Bill debruçou‑se e consegui
ver‑lhe a cara. Tinha a boca manchada de sangue e os caninos expostos,
brilhando na sua brancura contra o lábio inferior. Tentei sorrir‑lhe,
mas a cara não me obedecia.
— Vou pegar‑te ao colo — disse Bill. Parecia calmo.
— Se o fizeres, morro — murmurei.
Olhou‑me com atenção.
— Ainda não — disse, finda a avaliação. Estranhamente, aquilo
fez‑me sentir melhor. Pensei que seria impossível determinar quantos
ferimentos tinha visto durante a vida. — Isto vai doer — advertiu‑me.
Era difícil imaginar algo que não doesse.
Os seus braços deslizaram por baixo de mim, não me dando tempo
para sentir medo. Gritei, mas sem conseguir grande efeito.
— Rápido — disse uma voz urgente.
— Vamos para a floresta, para onde não nos consigam ver — disse
Bill, aninhando o meu corpo contra si, como se não pesasse nada.
Iria enterrar‑me, longe da vista? Depois de me ter salvo das Ratazanas?
Quase não me importava.
O alívio foi pouco quando me deitou sobre um tapete de agulhas
de pinheiro na escuridão da floresta. À distância, conseguia ver o brilho
do parque de estacionamento. Senti o sangue pingar‑me do cabelo,
uma dor no braço partido e a agonia provocada pelos golpes, mas o
mais assustador era o que não sentia.
Não sentia as pernas.
Sentia a barriga cheia e pesada. A expressão «hemorragia interna
» alojou‑se no meu pensamento.
— Morrerás se não fizeres o que te digo — disse‑me Bill.
— Desculpa, mas não quero ser vampira — disse, com voz débil.
— Não serás — insistiu, com delicadeza. — Vais curar‑te. Rapidamente.
Eu tenho a cura. Mas terás de a aceitar.
35
— Então cura‑me — sussurrei. — Estou a ir‑me. — Sentia a escuridão
puxar‑me.
No pequeno recanto da minha mente que ainda recebia sinais do
mundo, ouvi Bill grunhir como se tivesse sido ferido. A seguir, alguma
coisa foi pressionada contra a minha boca.
— Bebe — disse.
Tentei colocar a língua de fora e consegui. Bill sangrava e apertava
o pulso para forçar o fluxo de sangue para a minha boca. Lutei
contra o vómito. Mas queria viver. Forcei‑me a engolir. E a engolir
novamente.
Subitamente, o sangue passou a saber bem. Salgado. A essência
da vida. O meu braço intacto ergueu‑se e a mão rodeou o pulso do
vampiro, prendendo‑o à minha boca. Sentia‑me melhor com cada
gole. E, após um minuto, deixei‑me adormecer.
Quando acordei, continuava na floresta, deitada no chão. Alguém
estava deitado a meu lado. Era o vampiro. Conseguia perceber o seu
brilho. Conseguia sentir a sua língua movendo‑se sobre a minha cabeça.
Lambia‑me a ferida. Não podia repreendê‑lo.
— O meu sabor é diferente do das outras pessoas? — perguntei.
— Sim — disse, com voz grave. — Tu és o quê?
Era a terceira vez que me perguntava. A minha avó costumava
dizer que à terceira era de vez.
— Ei, não estou morta — disse. Recordei subitamente que esperara
o fim. Abanei o braço, o que fora partido. Estava fraco, mas já não se
dobrava por onde não devia. Conseguia sentir as pernas e também as
abanei. Tentei inspirar e agradou‑me que o resultado fosse apenas uma
dor ligeira. Esforcei‑me por me sentar. Foi difícil, mas não impossível.
Era como o primeiro dia sem febre depois da pneumonia que me afectou
em criança. Sentia‑me frágil, mas eufórica. Sabia que sobrevivera
a algo horrível.
Antes de acabar de me endireitar, rodeou‑me com os braços e
apertou‑me contra ele. Encostou‑se a uma árvore. Senti‑me muito
confortável no seu colo, com a cabeça contra o peito dele.
— Telepata. É isso que sou — disse. — Consigo ouvir os pensamentos
dos outros.
— Até os meus? — Parecia apenas curioso.
— Não. É por isso que gosto tanto de ti — disse, flutuando num
mar de bem‑estar em tons de rosa. Não via motivo para esconder o que
pensava.
36
Senti‑lhe o peito estremecer quando se riu. A gargalhada parecia
algo enferrujada.
— Não consigo ouvir nada teu — continuei, em tom encantado.
— Não fazes ideia de como isso é tranquilizante. Depois de uma vida
inteira de blá, blá, blá… não ouço nada.
— Como consegues sair com homens? Com homens da tua idade,
cujo único pensamento será certamente encontrar forma de te levar
para a cama.
— Não consigo. É simples. E, francamente, acho que só pensam
em levar as mulheres para a cama em qualquer idade. Não saio com
ninguém. Todos acham que sou maluca porque não lhes consigo dizer
a verdade. E a verdade é que todos aqueles pensamentos, todas aquelas
mentes me deixam à beira da loucura. Tive alguns encontros quando
comecei a trabalhar no bar com tipos que não me conheciam. Mas
era sempre o mesmo. É impossível concentrar‑me em ficar confortável
com um tipo ou em deixar‑me levar pelo momento quando consigo
ouvi‑los pensar se pinto o cabelo, que o meu rabo não é giro ou a imaginar
como serão as minhas mamas.
Subitamente, sentia‑me muito mais alerta e percebi que revelava
muito de mim a esta criatura.
— Desculpa — disse. — Não queria maçar‑te com os meus problemas.
Obrigada por me salvares das Ratazanas.
— A culpa foi minha — disse. Consegui perceber que havia raiva
por baixo da serenidade superficial da sua voz. — Se tivesse tido a cortesia
de chegar a horas, não teria acontecido. Devia‑te algum do meu
sangue. Devia‑te a cura.
— Estão mortos? — Para meu embaraço, a voz falhou‑me quando
fiz a pergunta.
— Sim.
Engoli em seco. Não sentia pena por o mundo ficar livre das Ratazanas.
Mas tinha de enfrentar os factos. Não conseguia escapar à percepção
de que estava sentada no colo de um assassino. No entanto,
sentia‑me muito bem ali, envolvida nos seus braços.
— Isto devia preocupar‑me, mas não é o que acontece — disse,
sem pensar. Senti novamente aquele riso enferrujado.
— Sookie, porque querias falar comigo hoje?
Precisei de me concentrar. Apesar da recuperação milagrosa do
espancamento, sentia‑me um pouco confusa.
—
A minha avó gostava muito de saber que idade tens — disse,
37
com hesitação. Não sabia até que ponto o assunto seria pessoal para
um vampiro. O vampiro em questão acariciava‑me as costas como se
afagasse um gatinho.
— Transformaram‑me num vampiro em 1870, quando era um
humano de trinta anos.
Olhei‑o. A sua face reluzente não tinha qualquer expressão e os
seus olhos eram dois poços negros na escuridão da floresta.
— Combateste na guerra?
— Sim.
— Receio que isto te vá enfurecer, mas ela ficaria tão feliz se pudesses
falar um pouco ao seu clube sobre a guerra, sobre como foi na
realidade.
— Clube?
— Pertence aos Descendentes dos Mortos Gloriosos.
— Mortos gloriosos. — O tom de voz do vampiro era impossível
de interpretar, mas conseguia perceber que não se sentia feliz.
— Não seria necessário falares dos vermes, das infecções e da
fome — disse. — Imaginam a guerra à sua maneira e, apesar de não
serem estúpidos (viveram outras guerras), gostariam de saber mais sobre
o modo de vida das pessoas da época, sobre fardas e movimento
de tropas.
— Sobre coisas limpas.
Inspirei fundo.
— Sim.
— Far‑te‑ia feliz se o fizesse?
— Que diferença faz? Faria a minha avó feliz e, já que estás em
Bon Temps e pareces querer viver aqui, seria uma boa acção de relações
públicas.
— Far‑te‑ia feliz?
Era difícil evitar‑lhe as perguntas.
— Sim.
— Então aceito.
— A avó pede para comeres antes de vires — disse.
Voltei a ouvir o riso, desta vez mais profundo.
— Estou com grande vontade de a conhecer. Posso visitar‑te
numa destas noites?
— Ah. Claro. Amanhã é a minha última noite de trabalho e depois
terei dois dias de folga. Quinta‑feira será uma boa noite. — Ergui
o braço para olhar o relógio. Funcionava, mas o vidro estava coberto
38
com sangue seco. — Que nojo — disse, molhando o dedo com saliva
e limpando o vidro. Pressionei o botão que iluminava os ponteiros e
surpreendeu‑me ver a hora.
— É melhor ir para casa. Espero que a avó tenha adormecido.
— Deve ficar preocupada por ficares sozinha até tão tarde — comentou
Bill. O tom parecia reprovador. Talvez pensasse em Maudette?
Por um momento, senti‑me profundamente insegura, pensando se Bill
a teria realmente conhecido, se ela o teria convidado para casa. Mas
rejeitei a ideia porque me recusava teimosamente a pensar na bizarra
e terrível natureza da vida e morte de Maudette. Não queria que esse
horror projectasse a sua sombra sobre a minha pequena felicidade.
— Faz parte do trabalho — disse, secamente. — Não posso evitar.
De qualquer forma, não trabalho todas as noites. Apenas quando
posso.
— Porquê? — O vampiro ajudou‑me a levantar e ergueu‑se sem
qualquer dificuldade.
— As gorjetas são melhores. O trabalho é mais duro. Não há tempo
para pensar.
— Mas a noite é mais perigosa — disse, novamente com tom reprovador.
E deveria sabê‑lo.
— Não fales como a minha avó — repreendi‑o. Estávamos quase
no parque de estacionamento.
— Sou mais velho do que a tua avó — recordou‑me. Aquilo pôs
fim à conversa.
Depois de sair da floresta, deixei‑me ficar a olhar. O parque de
estacionamento estava tão sereno e imóvel como se nada tivesse acontecido
ali, como se não tivesse escapado por pouco de ser espancada
até à morte na gravilha apenas uma hora antes. Como se as Ratazanas
não tivessem sofrido uma morte sangrenta.
As luzes do bar e da caravana de Sam estavam apagadas.
A gravilha estava húmida, mas não por causa do sangue.
A minha mala estava pousada sobre o tejadilho do carro.
— E o cão? — perguntei.
Voltei‑me para o meu salvador.
Já não estava lá.