quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Olá!!
Ora aqui está o segundo e ultimo capitulo do Sangue Fresco.
Pois... O ultimo...Quem quiser continuar a este livro terá de comprá-lo!
Espero que gostem!!!
ATENÇÃO!
ESTE CAPÍTULO É MUITO GRANDE!
Ora aqui está o segundo e ultimo capitulo do Sangue Fresco.
Pois... O ultimo...Quem quiser continuar a este livro terá de comprá-lo!
Espero que gostem!!!
ATENÇÃO!
ESTE CAPÍTULO É MUITO GRANDE!
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meu alívio, descobri que a avó dormia quando cheguei e pude
enfiar‑me na cama sem a acordar.
Bebia uma chávena de café sentada à mesa da cozinha e a avó limpava
a despensa quando o telefone tocou. Vi‑a sentar‑se num banco junto à
bancada antes de atender. Era o seu habitual posto de conversa.
— Estou? — disse. Por algum motivo, soava sempre desagradada,
como se um telefonema fosse a última coisa que queria. Sabia que não
era o caso.
— Olá, Everlee. Não, estou aqui sentada a falar com a Sookie.
Acaba de acordar. Não, não sei das notícias. Não, ninguém me ligou. O
quê? Qual tornado? Ontem à noite o céu estava limpo. Em Four Tracks
Corner? Sim? Não! Não pode ser! A sério? Os dois? Hmm… O que
disse o Mike Spencer?
Mike Spencer era o médico‑legista do condado. Comecei a sentir‑me
ansiosa. Terminei o café e voltei a encher a chávena. Achei que
precisaria.
A avó desligou um minuto depois.
— Sookie, não vais acreditar no que aconteceu!
Estava disposta a apostar o contrário.
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— O que foi? — perguntei, tentando não parecer culpada.
— Mesmo que o tempo parecesse calmo ontem à noite, parece
que houve um tornado em Four Tracks Corner! Virou do avesso a caravana
na clareira. O casal que lá vivia morreu. Ficaram os dois presos
por baixo da caravana e acabaram esmagados. O Mike diz que nunca
viu nada assim.
— Vai mandar autopsiar os corpos?
— Acho que tem de o fazer, apesar de a causa da morte parecer
clara, de acordo com a Stella. A caravana estava de lado e o carro ficou
por cima dela. As árvores em redor foram arrancadas.
— Meu Deus — sussurrei, pensando na força necessária para preparar
uma encenação daquele nível.
— Querida, não me contaste se o teu amigo vampiro foi ao bar
ontem à noite.
Dei um salto culpado, percebendo tarde demais que a avó tinha
mudado de assunto. Perguntava‑me todos os dias se tinha visto o Bill e,
finalmente, podia dizer‑lhe que sim, mas não de ânimo leve.
Previsivelmente, ficou eufórica. Saltitou pela cozinha como se o
convidado fosse o Príncipe Carlos.
— Amanhã à noite. A que horas vem? — perguntou.
— Depois de anoitecer. É tudo o que sei.
— Estamos em horário de Verão. Será muito tarde — considerou.
— Óptimo. Teremos tempo para jantar e para arrumar tudo. E teremos
todo o dia para limpar a casa. Acho que não limpo aquela carpete há
um ano!
— Avó, estamos a falar de um tipo que passa o dia a dormir debaixo
do chão — recordei. — Duvido que repare na carpete.
— Se não o fizer por ele, faço‑o por mim, para me sentir orgulhosa
— contrapôs, com firmeza. — Além disso, minha menina, como
sabes tu onde dorme?
— Boa pergunta, avó. Não sei. Mas tem de se abrigar da luz do sol
num local seguro. É esse o meu palpite.
Percebi que nada a impediria de embarcar num frenesim de
esmero doméstico. Enquanto me preparava para o trabalho, foi à
mercearia alugar uma máquina de lavagem de carpetes e iniciou a
tarefa.
A caminho do Merlotte’s, fiz um desvio para norte e passei por
Four Tracks Corner. Era um cruzamento tão antigo como o povoamento
da área. Estava alcatroado e com sinais de trânsito, a tradição
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local dizia que era a intersecção de dois caminhos de caça. Mais cedo
ou mais tarde, haveria casas de tipo rústico e centros comerciais a rodear
as estradas, mas, por enquanto, era uma zona arborizada e, de
acordo com Jason, a caça ainda era boa.
Porque não havia nada que me impedisse, segui pelo caminho
que conduzia à clareira onde se situara a caravana alugada pelos Rattray.
Parei o carro e olhei pelo pára‑brisas, aterrorizada. A caravana,
muito pequena e velha, estava esmagada a três metros da localização
original. O carro amolgado continuava sobre os restos da casa móvel.
Arbustos e escombros cobriam a clareira e a floresta por trás da caravana
revelava sinais da passagem de uma grande força. Havia ramos quebrados
e o topo de um pinheiro pendia por um filamento de madeira.
Havia roupa nos ramos e até uma frigideira.
Saí lentamente e olhei em redor. Os estragos eram simplesmente
inacreditáveis, sobretudo porque sabia que não tinham sido provocados
por um tornado. O vampiro Bill encenara aquilo para explicar as
mortes.
Um velho jipe avançou pela estrada e parou junto a mim.
— Sookie Stackhouse! — chamou Mike Spencer. — Que fazes
aqui, rapariga? Não tens de ir trabalhar?
— Sim, senhor. Conhecia as Ratazan… os Rattray. Que coisa horrível.
— Achei que aquilo seria suficientemente ambíguo. Via que Mike
vinha acompanhado pelo xerife.
— Uma coisa horrível, sim. Bom… ouvi dizer — disse o xerife
Bud Dearborn, saindo do jipe — que tu, Mack e Denise não foram
muito amigos no parque de estacionamento do Merlotte’s na semana
passada.
Senti um arrepio frio algures à altura do fígado enquanto os dois
homens se posicionavam à minha frente.
Mike Spencer geria uma das duas agências funerárias de Bon
Temps. Como costumava dizer, todos podiam ser sepultados pela
Agência Funerária Spencer and Sons, mas parecia que apenas os brancos
o desejavam. De igual modo, apenas gente de cor desejava ser sepultada
pela Sweet Rest. Mike era um homem pesado de meia‑idade,
com cabelo e bigode da cor do chá fraco e uma predilecção por botas
de vaqueiro e gravatas de cordel, coisas que não podia usar quando
estava de serviço na Spencer and Sons. Usava‑as naquele momento.
O xerife Dearborn, que tinha reputação de ser um bom homem,
era um pouco mais velho do que Mike, mas estava em boa forma e era
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duro desde o cabelo grisalho espesso até aos sapatos pesados. Tinha
uma face abatida e olhos castanhos e agitados. Fora bom amigo do
meu pai.
— Sim, senhor. Tivemos um desentendimento — disse, com
franqueza, na minha voz mais caseira.
— Queres contar‑me o que se passou? — O xerife puxou por um
Marlboro e acendeu‑o com um isqueiro de metal liso.
E eu cometi um erro. Devia ter‑lhe contado. Tinha fama de maluca
e muitos também me achavam simplória. Mas não conseguia encontrar
motivo para me justificar a Bud Dearborn. Nenhum motivo
além do bom‑senso.
— Porquê? — perguntei.
Os seus olhos pequenos pareceram subitamente alerta e o ar
amistoso desapareceu.
— Sookie — disse, com desilusão na voz. Não me convenceu por
um minuto que fosse.
— Não fui eu que fiz isto — continuei, acenando com a mão sobre
a destruição.
— Pois não — concordou. — Mas, de qualquer forma, morreram
na semana a seguir a uma luta contigo. Parece‑me que devo fazer perguntas.
Considerei a possibilidade de lhe enfrentar o olhar. Far‑me‑ia
sentir bem, mas achei que não valeria a pena. Tornava‑se aparente que
uma reputação de falta de inteligência podia ser útil.
Posso não ter grande escolaridade ou experiência de vida, mas
não sou estúpida nem ignorante.
— Estavam a magoar o meu amigo — confessei, deixando cair a
cabeça e fitando os sapatos.
— Referes‑te ao vampiro que vive na velha casa dos Compton? —
Mike Spencer e Bud Dearborn trocaram olhares.
— Sim, senhor. — Surpreendeu‑me ouvir onde Bill vivia, mas
eles não o perceberam. Após anos a não reagir a coisas que ouvia e que
preferia não saber, adquiri grande controlo da minha expressão facial.
A velha casa dos Compton situava‑se perto da nossa, do outro lado
de um campo, do mesmo lado da estrada. Entre as duas casas, havia
apenas o cemitério e a floresta. Sorrindo, pensei que era uma excelente
localização para Bill.
— Sookie Stackhouse, a tua avó deixa‑te passar o tempo com esse
vampiro? — perguntou Spencer, de forma imbecil.
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— Pode falar com ela sobre isso — sugeri, com malícia, mal podendo
esperar para ouvir o que a avó diria quando alguém insinuasse
que não cuidava de mim da melhor forma. — Sabem que os Rattray
tentavam drenar o Bill?
— O vampiro estava a ser drenado pelos Rattray? E tu impediste‑os?
— questionou o xerife.
— Sim — respondi, tentando parecer decidida.
— A drenagem de vampiros é ilegal — reflectiu.
— Não é homicídio matar um vampiro que não nos atacou? —
perguntei.
É possível que tenha levado a ingenuidade longe demais.
— Sabes perfeitamente que sim, apesar de não concordar com
essa lei. Mas é a lei e vou garantir o seu cumprimento — disse o xerife,
assumindo uma postura rígida.
— Então o vampiro deixou‑os partir sem jurar vingança? Sem
sequer dizer que desejava a sua morte? — Mike Spencer não conseguia
evitar ser estúpido.
— Exactamente. — Sorri a ambos e olhei para o relógio. Recordei o
sangue que o cobrira, o meu sangue, resultado do espancamento aplicado
pelos Rattray. Precisei de limpar o sangue para ver as horas. — Desculpem,
mas tenho de ir trabalhar — disse. — Adeus, Sr. Spencer. Xerife.
— Adeus, Sookie — disse o xerife Dearborn. Pareceu ter mais a
perguntar‑me, mas não conseguia pensar na melhor forma de formular
as perguntas. Percebia que não estava inteiramente satisfeito com o
aspecto das coisas e duvidei que algum radar tivesse captado um tornado.
De qualquer forma, ali estava a caravana, ali estava o carro, as
árvores e os Rattray tinham sido encontrados sem vida por baixo de
tudo. Que outra conclusão poderia tirar‑se além de que fora um tornado
a matá‑los? Calculei que os corpos tivessem sido enviados para
autópsia e questionei‑me sobre o que poderia ser aprendido por tal
procedimento dentro das circunstâncias.
A mente humana é uma coisa espantosa. O xerife Dearborn deveria
saber que os vampiros são muito fortes. Mas não conseguia imaginar
até que ponto. Suficientemente fortes para voltar uma caravana
e para a esmagar. Até a mim me custava compreender e sabia perfeitamente
que não tinha passado nenhum tornado por Four Corners.
Havia no bar um zumbido constante alimentado pela notícia das
mortes. O homicídio de Maudette fora remetido para segundo lugar
pela morte de Denise e Mack. Apanhei Sam a olhar‑me algumas vezes
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e pensei na noite anterior e no que saberia realmente. Mas tinha medo
de perguntar, existindo a possibilidade de não ter visto nada. Sabia que
eu própria não conseguia explicar alguns dos acontecimentos da noite
anterior, mas estava tão grata por estar viva que me impedi de pensar
no assunto.
Nunca sorri tanto enquanto servia bebidas. Nunca fui tão rápida
a fazer trocos. Nunca fui tão rigorosa na recolha de pedidos. Nem
mesmo Rene conseguiu que eu abrandasse, apesar de insistir em arrastar‑me
para as suas longas conversas sempre que me aproximava da
mesa que partilhava com Hoyt e com outro amigo.
Por vezes, Rene desempenhava o papel de cajun maluco, ainda
que a pronúncia cajun que pudesse ter fosse fingida. A sua família permitira
que a herança cultural se diluísse. Todas as suas mulheres tiveram
vidas duras e atribuladas. O breve casamento com Arlene acontecera
quando era jovem e ainda não tinha filhos e ela contara‑me que,
ocasionalmente, fizera coisas nesse período que a arrepiavam quando
pensava no assunto. Crescera desde então, mas Rene não. Arlene gostava
realmente dele, para meu espanto.
Todos os clientes do bar estavam emocionados nessa noite pelos
acontecimentos invulgares em Bon Temps. Uma mulher fora assassinada
de forma misteriosa. Habitualmente, os homicídios em Bon
Temps eram facilmente desvendados. E um casal tivera morte violenta
devido a um fenómeno natural inesperado. Atribuí a essa excitação o
que aconteceu a seguir. Era um bar familiar, por onde passavam regularmente
alguns forasteiros e nunca tive grandes problemas com atenções
exageradas. Mas, nessa noite, um dos homens sentados na mesa
ao lado de Rene e Hoyt, um tipo louro pesado com uma cara larga e
avermelhada, fez subir a mão até à bainha dos meus calções enquanto
lhes trazia cerveja.
Isso não é bem visto no Merlotte’s.
Pensei em atingi‑lo na cabeça com o tabuleiro quando senti a
mão a ser afastada. Senti alguém de pé atrás de mim. Voltei‑me e vi
Rene, que se levantara da cadeira sem que eu desse por isso. Segui o seu
braço e vi que agarrava a mão do louro e a apertava. A cara vermelha
do outro mudava de cor.
— Ei! Larga‑me! — protestou. — Não fiz por mal.
— Não tocas em ninguém que trabalhe aqui. É essa a regra. —
Rene pode ser baixo e magro, mas todos apostariam no rapaz local
contra o forasteiro.
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— Está bem.
— Pede desculpa à senhora.
— À Sookie Maluca? — Havia incredulidade na voz. Devia ter
vindo ao bar antes.
Rene deve ter aumentado o aperto. Vi lágrimas nos olhos do louro.
— Desculpa, Sookie. Está bem?
Acenei com a cabeça tão sobriamente quanto consegui. Rene
largou abruptamente a mão do louro e, apontando com um polegar,
mandou‑o pôr‑se a andar. O louro não perdeu tempo a sair porta fora.
Os acompanhantes seguiram‑no.
— Rene, devias ter‑me deixado lidar com isto — disse‑lhe, em
voz baixa, quando os clientes pareceram retomar as suas conversas.
Conseguíramos alimentar a máquina de boatos com material
suficiente para um par de dias. — Mas agradeço‑te por me teres
defendido.
— Não quero que ninguém se meta com a amiga da Arlene —
disse Rene, sem rodeios. — O Merlotte’s é um sítio agradável e todos
queremos que continue assim. Além disso, por vezes, fazes‑me lembrar
a Cindy.
Cindy era a irmã de Rene. Mudara‑se para Baton Rouge um ano
ou dois antes. Era loura e tinha olhos azuis. Além disso, não conseguia
lembrar‑me de outra semelhança. Mas não seria educado dizê‑lo.
— Vês a Cindy muita vez? — perguntei.
Hoyt e o outro homem sentado à mesa trocavam resultados e estatísticas
dos Shreveport Captains.
— De vez em quando — respondeu Rene, abanando a cabeça,
como se quisesse dizer que gostaria que acontecesse com maior frequência.
— Trabalha na cafetaria de um hospital.
Pousei‑lhe a mão sobre o ombro.
— Tenho de voltar ao trabalho.
Quando cheguei ao balcão para receber o pedido seguinte, Sam
ergueu‑‑me as sobrancelhas. Arregalei‑lhe os olhos para mostrar como
a intervenção de Rene me tinha surpreendido e vi‑o encolher brevemente
os ombros, como se dissesse que o comportamento humano não
tinha explicação.
Mas, quando fui atrás do balcão para me abastecer de guardanapos,
reparei que tinha tirado para fora o taco de basebol que guardava
junto à caixa registadora para utilização em emergências.
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A avó manteve‑me ocupada durante todo o dia seguinte. Limpou o pó,
aspirou e esfregou o chão enquanto eu lavava as casas de banho. Pensei
se os vampiros iriam à casa de banho enquanto passava a escova pela
sanita. A avó exigira que aspirasse o pêlo de gato do sofá. Despejei todos
os cestos de lixo. Poli todas as mesas. Até limpei a máquina de lavar
e secar. Por amor de Deus.
Quando me ordenou que tomasse banho e mudasse de roupa,
percebi que via o vampiro Bill como sendo um potencial namorado
meu. Isso fez‑me sentir um pouco estranha. Por um lado, a avó estava
tão desesperada por me ver ter vida social que até um vampiro conseguia
ser um candidato apetecível. Por outro, havia alguns sentimentos
que apoiavam essa ideia. Além disso, Bill poderia perceber tudo aquilo.
E os vampiros conseguiriam fazê‑lo da mesma forma que os humanos?
Tomei banho, maquilhei‑me e pus um vestido, sabendo que a avó
teria uma crise se não o fizesse. Era um pequeno vestido de algodão
com margaridas estampadas. Era mais justo do que a avó gostaria e
mais curto do que Jason considerava próprio para a sua irmã. Ouvira o
comentário da primeira vez que o usara. Pus os meus brincos de bola
amarela e prendi o cabelo atrás com uma travessa da mesma cor que o
mantinha no sítio sem grande constrangimento.
A avó olhou‑me com estranheza, de uma forma que não consegui
interpretar. Podia descobrir facilmente se ouvisse o que pensava, mas
seria algo horrível de se fazer à pessoa com quem vivia e tive o cuidado
de me conter. Ela usava uma saia e uma blusa que levava com frequência
às reuniões dos Descendentes dos Mortos Gloriosos. O conjunto
não era suficientemente requintado para a igreja, mas também não era
suficientemente simples para o uso quotidiano.
Varria o alpendre da frente, algo que me esquecera de fazer,
quando ele chegou. Fez uma entrada de vampiro. Um minuto antes,
não estava lá e, no seguinte, ali estava ele, de pé ao fundo dos degraus,
olhando‑me.
Eu sorri.
— Não me assustaste — disse‑lhe.
Pareceu algo embaraçado.
— É o hábito — justificou‑se. — Habituei‑me a aparecer assim.
Não faço muito barulho.
Abri a porta.
— Entra — convidei. E subiu os degraus, olhando em redor.
— Lembro‑me disto — disse. — Mas não era tão grande.
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— Lembras‑te desta casa? A avó vai adorar sabê‑lo. — Caminhei
à sua frente até à sala de estar, chamando a avó pelo caminho.
Entrou de forma digna e percebi que, pela primeira vez, esmerara‑se
com o cabelo branco espesso, penteado e ordeiro para variar,
rodeando‑lhe a cabeça numa espiral complexa. Também tinha
posto baton.
Bill revelou ser tão conhecedor de preceitos sociais como a minha
avó. Saudaram‑se, agradeceram um ao outro, elogiaram‑se e, finalmente,
Bill acabou por se sentar no sofá. Depois de trazer um tabuleiro
com três copos de chá de pêssego, a avó sentou‑se no cadeirão, deixando
claro que deveria instalar‑me perto de Bill. Não havia forma de
escapar sem ser ainda mais óbvia e, por isso, sentei‑me a seu lado, mas
próxima do limite do sofá, como se, a qualquer momento, pretendesse
levantar‑me para voltar a encher o seu copo com chá frio de pêssego,
destinado apenas a manter as aparências.
Por cortesia, tocou o bordo do copo com os lábios e voltou a pousá‑lo.
Eu e a avó bebíamos grandes goles nervosos dos nossos.
A avó escolheu iniciar a conversa pelo assunto menos adequado.
— Creio que terá ouvido falar do estranho tornado — disse.
— Que aconteceu? — perguntou Bill, com uma voz suave como
seda. Não me atrevi a olhá‑lo, permanecendo sentada com as mãos
unidas e os olhos postos nelas.
A avó falou‑lhe do bizarro tornado e da morte das Ratazanas.
Contou‑lhe que tudo aquilo parecia horrível, mas poupou pormenores
e achei que Bill se descontraiu um pouco.
— Passei por lá ontem a caminho do trabalho — disse eu, sem
erguer o olhar. — Pela caravana.
— Achaste que tinha o aspecto que esperavas? — perguntou Bill,
notando‑se apenas curiosidade na voz.
— Não — respondi. — Não esperava nada daquilo. Fiquei realmente…
espantada.
— Sookie, já viste os estragos provocados por outros tornados? —
disse a avó, surpresa.
Mudei de assunto.
— Bill, onde arranjaste essa camisa? Fica‑te bem. — Vestia calças
informais de cor caqui e uma camisa de golfe com riscas verdes e castanhas.
Calçava mocassins brilhantes e meias finas castanhas.
— Na Dillard’s — disse. Tentei imaginá‑lo no centro comercial
em Monroe, com as pessoas a voltarem‑se para olhar aquela criatura
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exótica com a sua pele reluzente e olhos magníficos. Onde conseguiria
o dinheiro para pagar as compras? Como lavaria a roupa? Deitar‑se‑ia
nu no caixão? Teria um carro ou limitar‑se‑ia a flutuar?
A avó ficou agradada com a normalidade dos hábitos de consumo
de Bill. Voltou a perturbar‑me perceber como lhe agradava ver o
meu suposto pretendente na sua sala de estar, mesmo que (de acordo
com a literatura popular) tivesse sido vitimado por um vírus que o
fazia parecer morto.
Iniciou o interrogatório. Bill respondeu‑lhe com delicadeza e
aparente boa vontade. Podia estar morto, mas era um cadáver educado.
— A sua família era desta região? — quis saber.
— O meu pai era um Compton e a minha mãe era Loudermilk
—
esclareceu prontamente Bill. Parecia bastante descontraído.
— Ainda existem muitos Loudermilk — explicou a avó, com entusiasmo.
— Mas receio que o velho Sr. Jessie Compton tenha morrido
no ano passado.
— Eu sei — disse Bill. — Foi por isso que regressei. A terra reverteu
para a minha posse e, porque as coisas mudaram na nossa cultura
relativamente à aceitação de pessoas com as minhas características
particulares, decidi reclamá‑la.
— Conhecia os Stackhouse? A Sookie diz que tem uma história
longa. — Pareceu‑me que a avó tinha posto a questão da melhor forma.
Sorri, sem desviar o olhar das mãos.
— Lembro‑me de Jonas Stackhouse — disse Bill, para deleite da
avó. — A minha gente estava aqui quando Bon Temps era apenas um
lugarejo na berma da estrada, junto à fronteira. Jonas Stackhouse mudou‑se
com a mulher e os quatro filhos quando eu era um jovem de
dezasseis anos. Esta casa não foi construída por ele? Pelo menos em
parte?
Reparei que, quando Bill pensava no passado, a sua voz adquiria
uma cadência diferente e o vocabulário alterava‑se. Pensei nas mudanças
de coloquialismos e pronúncia que teriam afectado o seu inglês ao
longo do século passado.
A avó deu consigo no paraíso da genealogia. Quis saber tudo sobre
Jonas, o antepassado do seu marido.
— Tinha escravos? —
perguntou.
— Minha senhora, se bem me lembro, tinha uma escrava doméstica
e um escravo de campo. A escrava doméstica era uma mulher de
meia‑idade e o escravo de campo era um jovem muito grande, muito
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forte, chamado Minas. Mas os Stackhouse trabalhavam as suas terras.
Tal como a minha família.
— É precisamente esse tipo de coisa que o meu pequeno grupo
adoraria ouvir! A Sookie disse‑lhe… — Após muita troca de cortesias,
a avó acordou com Bill uma data para falar numa reunião nocturna
dos Descendentes.
— E agora, se mo permitir, gostaria de dar um passeio com a
Sookie. Está uma linda noite. — Lentamente, para que tivesse tempo
de ver o gesto, aproximou a mão e segurou a minha, erguendo‑se e
fazendo‑me acompanhá‑lo. A sua mão era fria, dura e suave. Não estava
realmente a pedir a permissão da avó, mas também não impunha
a sua vontade.
— Vão dar o vosso passeio — disse a avó, transbordando de felicidade.
— Tenho muita coisa a pesquisar. Terá de me dizer todos os
nomes de gente local que recordar do tempo em que esteve… — e hesitou,
não querendo dizer nada que fosse indelicado.
— Em que esteve a residir em Bon Temps — sugeri, evitando o
embaraço.
— Claro — disse o vampiro. E consegui perceber pela forma
como comprimiu os lábios que tentava não sorrir.
De alguma forma, chegámos à porta e percebi que Bill me tinha
erguido e movido com rapidez. Sorri com convicção. Agradava‑me o
inesperado.
— Não demoramos — disse à avó. Pareceu‑me que não tinha notado
a deslocação invulgar, ocupada que estava a reunir os copos de
chá.
— Não tenham pressa por mim —
disse. — Fico bem entregue.
Lá fora, as rãs, os sapos e os insectos interpretavam a sua ópera
campestre nocturna. Bill continuou a segurar‑me a mão enquanto passávamos
ao quintal, perfumado pelo cheiro da relva acabada de cortar
e das flores em botão. Tina, a minha gata, aproximou‑se das sombras
e pediu festas. Curvei‑me e cocei‑lhe a cabeça. Para minha surpresa,
roçou‑se pelas pernas de Bill, uma atitude que ele não fez nada para
desencorajar.
— Gostas deste animal? — perguntou, com voz neutra.
— É a minha gata — disse. — Chama‑se Tina e gosto muito dela.
Sem comentários adicionais, Bill manteve‑se quieto, esperando
que Tina regressasse à escuridão, longe do alcance da luz do alpendre.
— Gostarias de te sentar no baloiço, nas cadeiras de jardim ou
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preferes caminhar? — perguntei, sentindo que o papel de anfitriã me
fora transferido.
— Vamos caminhar um pouco. Preciso de esticar as pernas.
De alguma forma, aquela afirmação perturbou‑me, mas comecei
a percorrer o longo caminho em direcção à estrada que passava à frente
das casas de ambos.
— A caravana assustou‑te?
Tentei pensar na melhor forma de o dizer.
— Sinto‑me muito… hmm… frágil. Quando penso na caravana.
— Sabias que sou forte.
Inclinei a cabeça, pensando no assunto.
— Sim, mas não percebi até que ponto — disse‑lhe. — E também
não percebi o alcance da tua imaginação.
— Ao longo dos anos, tornamo‑nos bons a esconder o que fazemos.
— Calculo que tenhas matado muitas pessoas.
— Algumas. — O tom de voz indicava‑me que devia aprender a
lidar com o assunto.
Uni as mãos atrás das costas.
— Sentiste mais fome logo após te tornares um vampiro? Como
aconteceu?
Não esperava aquilo. Olhou‑me. Sentia o seu olhar em mim, apesar
de estarmos na escuridão. A floresta rodeava‑nos. Os nossos pés
pisavam a gravilha.
— Quanto à forma como me tornei um vampiro, é uma história
demasiado longa para contar neste momento — disse. — Mas sim,
quando era mais jovem, matei por acidente nalgumas ocasiões. Nunca
sabia ao certo quando poderia voltar a alimentar‑me, compreendes?
Éramos constantemente caçados, claro, e não havia sangue artificial.
Além disso, não havia tanta gente como agora. Mas fui um bom homem
em vida… Ou seja, antes de contrair o vírus. Esforcei‑me por ser
civilizado, escolhendo pessoas más como vítimas e nunca me alimentando
de crianças. Consegui, pelo menos, nunca matar uma criança.
Agora é muito diferente. Posso visitar a clínica nocturna em qualquer
cidade e conseguir algum sangue sintético, apesar de ser repelente. Ou
posso pagar a uma prostituta para conseguir o sangue suficiente para
aguentar um par de dias. Ou posso encantar alguém para que me deixem
morder por amor, esquecendo tudo em seguida. Já não preciso de
tanto como outrora.
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— Ou podes conhecer uma rapariga com ferimentos na cabeça
— disse.
— Ah. Tu foste apenas a sobremesa. Os Rattray foram o prato
principal.
Lida com isso.
— Uau — disse, sentindo‑me sem fôlego. — Dá‑me um minuto.
E assim fez. Nenhum outro homem me teria permitido aquele
tempo sem falar. Abri a mente, baixei a guarda por completo e
descontraí. O seu silêncio envolveu‑me. Mantive‑me de pé, fechei os
olhos, absorvi o alívio demasiado profundo para ser expresso por
palavras.
— Sentes‑te feliz agora? — perguntou, como se conseguisse percebê‑lo.
— Sim — expirei. Nesse momento, senti que não importava o que
a criatura a meu lado tivesse feito. Aquela paz não tinha preço depois
de uma vida de intromissão de mentes alheias na minha.
— Também te sinto bem — disse, surpreendendo‑me.
— De que forma? — perguntei, lenta e sonhadora.
— Sem medo, sem pressa, sem condenação. Não preciso de te
encantar para te deixar quieta, para ter uma conversa contigo.
— Encantar?
— Uma espécie de hipnotismo — explicou. — Todos os vampiros
o fazem, de uma forma ou de outra. Porque, para nos alimentarmos,
antes de desenvolverem o sangue sintético, precisávamos de persuadir
as pessoas de que éramos inofensivos… ou de as fazer pensar que não
nos tinham visto… ou de as iludir, fazendo‑as pensar que tinham visto
outra pessoa qualquer.
— Funciona comigo?
— Claro — disse, parecendo chocado.
— Então tenta.
— Olha para mim.
— Está escuro.
— Não importa. Olha para a minha cara. — E pôs‑se à minha
frente, pousando levemente as mãos sobre os meus ombros e olhando‑me.
Conseguia ver o brilho ténue da sua pele e dos olhos e devolvi‑lhe
o olhar, pensando se começaria a cacarejar como uma galinha
ou a despir‑me.
Mas… não aconteceu nada. Senti apenas a descontracção quase
narcótica da sua presença.
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— Consegues sentir a minha influência? — perguntou. Parecia
ligeiramente ofegante.
— Nada. Lamento — disse, humildemente. — Apenas te vejo
brilhar.
— Consegues ver isso? — Voltei a surpreendê‑lo.
— Claro. Os outros não?
— Não. É estranho, Sookie.
— Se o dizes. Posso ver‑te levitar?
— Aqui? — Bill pareceu divertido.
— Claro. Porque não? A não ser que haja um motivo.
— Não. Não há nenhum motivo.
Largou‑me os braços e começou a subir.
Suspirei, fascinada. Flutuou na escuridão, brilhando como mármore
branco ao luar. Quando estava quase a um metro do chão, deixou‑se
pairar. Pareceu‑me que me sorria.
— Todos conseguem fazer o mesmo? — perguntei.
— Consegues cantar?
— Não. Não consigo afinar.
— Também não conseguimos fazer as mesmas coisas. — Desceu
lentamente e aterrou sem ruído. — A maioria dos humanos receia os
vampiros. Tu pareces não ser assim — referiu.
Encolhi os ombros. Porque haveria de recear algo fora do normal?
Pareceu perceber porque, depois de uma pausa que aproveitámos
para recomeçar a andar, disse:
— Sempre foi difícil?
— Sim, sempre. — Não podia dizer outra coisa, apesar de não
querer lamentar‑me. — Quando era muito pequena, era pior porque
não sabia como me proteger e, obviamente, ouvia pensamentos que
não devia ouvir, repetindo‑‑os como as crianças repetem as coisas que
ouvem. Os meus pais não sabiam o que fazer de mim. Era sobretudo o
meu pai a sentir‑se embaraçado. A minha mãe acabou por me levar a
uma psicóloga infantil que percebeu imediatamente o que era, mas não
conseguia aceitá‑lo e tentou partilhar uma teoria alternativa com os
meus pais. Lia a sua linguagem corporal e era muito observadora. Por
isso, pensava ser capaz de ouvir os pensamentos alheios. Claro que não
podia admitir que ouvia literalmente os pensamentos alheios porque
isso não encaixava no seu mundo. Dei‑me mal com a escola porque me
era muito difícil concentrar quando poucos o faziam. Mas, quando havia
testes, conseguia notas muito altas porque todos os outros miúdos
53
se concentravam no seu trabalho… isso permitia‑me algum descanso.
Por vezes, os meus pais pensavam que era preguiçosa por não obter
bons resultados no trabalho quotidiano. Por vezes, os professores achavam
que tinha uma dificuldade de aprendizagem. Não irias acreditar
nas teorias. Fazia testes aos olhos e aos ouvidos com intervalos que
rondariam os dois meses. E exames cerebrais… Os meus pobres pais
pagavam isto tudo. Mas nunca conseguiram aceitar a verdade. Pelo
menos por fora, percebes?
— Mas, no fundo, sabiam.
— Sim. Um dia, quando o meu pai tentava decidir se deveria financiar
um homem que queria abrir uma loja de peças para automóvel,
pediu‑me para me sentar com ele quando o homem veio a nossa
casa. Depois de o homem partir, levou‑me para fora, olhou para longe
e perguntou: «Sookie, ele dizia a verdade?» Foi um momento muito
estranho.
— Que idade tinhas?
— Não devia ter mais de sete porque morreram os dois quando
estava no segundo ano.
— Como?
— Numa inundação repentina. Apanhou‑os na ponte a oeste daqui.
Bill não comentou. Claro que teria visto mortes sem conta.
— O homem mentia? — perguntou, após alguns segundos.
— Sim. Pretendia fugir com o dinheiro do meu pai.
— Tens um dom.
— Um dom. Claro. — Sentia os cantos da boca a curvarem‑se
para baixo.
— Torna‑te diferente dos outros humanos.
— Não precisas de mo dizer. — Caminhámos em silêncio por um
momento. — Então não te consideras humano?
— Há já muito tempo.
— Acreditas realmente que perdeste a alma? — Era o que a Igreja
Católica pregava sobre os vampiros.
— Não tenho forma de saber — disse Bill, quase de forma casual.
Era óbvio que tinha pensado tantas vezes no assunto que se tornara um
lugar‑comum. — Pessoalmente, acredito que não. Existe algo em mim
que não é cruel ou homicida, mesmo após todos estes anos. Apesar de
também poder ser as duas coisas.
— Não tens culpa de ter sido infectado por um vírus.
Até o seu ronco de desdém conseguiu parecer elegante.
54
— Existem teorias desde que há vampiros. Talvez essa seja verdadeira.
— A seguir, pareceu lamentar ter dito aquilo. — Se é um vírus
a causa dos vampiros — prosseguiu, de forma mais contida —, é um
vírus selectivo.
— Como se transforma alguém num vampiro? — Lera muita coisa,
mas aquela informação viria directamente de alguém conhecedor.
— Teria de te drenar, de uma só vez ou durante dois ou três dias,
até morreres, e de te dar o meu sangue. Ficarias como um cadáver durante
cerca de quarenta e oito horas. Por vezes chega aos três dias. Depois,
irias erguer‑te de noite. E terias fome.
A forma como pronunciou a palavra «fome» fez‑me estremecer.
— Não há outra forma?
— Outros vampiros contaram‑me que humanos que mordem
regularmente, dia após dia, podem tornar‑se vampiros de forma inesperada.
Mas isso exige alimentações consecutivas e intensivas. Nas
mesmas condições, outros apenas se tornam anémicos. E quando as
pessoas estão próximas da morte por algum outro motivo, talvez por
um acidente de viação ou overdose de drogas, talvez o processo possa
correr… horrivelmente mal.
Começava a assustar‑me.
— É melhor mudar de assunto. Que planeias fazer com a propriedade
dos Compton?
— Planeio viver lá tanto quanto conseguir. Agora que tenho o direito
legal de existir e que posso ir a Monroe, Shreveport ou Nova Orleães
procurar sangue sintético ou prostitutas especializadas na minha
gente, quero ficar aqui. Ou, pelo menos, ver se isso é possível. Passei
décadas a vaguear.
— Como está a casa?
— Muito mal — admitiu. — Tenho tentado limpá‑la. É algo que
posso fazer à noite. Mas preciso de trabalhadores para algumas reparações.
Não sou mau carpinteiro, mas não sei nada sobre electricidade.
Claro que não saberia.
— Parece‑me que será necessário substituir os fios — continuou,
parecendo igual a qualquer outro proprietário ansioso.
— Tens telefone?
— Claro — respondeu, surpreso.
— Então qual é o problema em conseguir trabalhadores?
— É difícil entrar em contacto com eles de noite. E é difícil en55
contrar‑me com eles para lhes explicar o que precisa de ser feito. Têm
medo ou acham que é uma brincadeira. — A frustração era evidente
na voz de Bill, apesar de voltar a cara para longe.
Ri‑me.
— Se quiseres, posso ligar‑lhes — propus. — Conhecem‑me.
Apesar de todos acharem que sou maluca, sabem que sou honesta.
— Seria um grande favor — disse Bill, após alguma hesitação. —
Poderiam trabalhar durante o dia, depois de me encontrar com eles
para discutir o trabalho e os custos.
— Que grande inconveniente não poder sair durante o dia — disse,
sem pensar. Nunca tinha pensado no assunto.
— Sem dúvida — considerou, secamente.
— E ter de esconder o sítio onde descansas — prossegui, sem
perceber o desconforto que provocava.
Quando o senti no silêncio que se seguiu, pedi desculpa. Se não
estivesse tão escuro, ter‑me‑ia visto corar.
— O local de repouso diurno de um vampiro é o seu maior segredo
— afirmou Bill, sem grande à‑vontade.
— As minhas desculpas.
— Aceites — disse, após um momento desagradável. Alcançámos
a estrada e olhámos para ambos os lados como se esperássemos
um táxi. Conseguia vê‑lo claramente à luz da lua, agora que saíramos
de entre as árvores. Também ele podia ver‑me e olhou‑me de alto a
baixo.
— O teu vestido é da cor dos teus olhos.
— Obrigada. — Não o conseguia ver a ele com a mesma clareza.
— Mas não há muito tecido.
— Desculpa?
— É difícil habituar‑me a jovens com tão pouca roupa — confessou
Bill.
— Tiveste algumas décadas para te ires habituando — disse, secamente.
— Há quarenta anos que os vestidos são curtos, Bill!
— Gostava de saias compridas — admitiu, com nostalgia. — Gostava
da roupa interior que as mulheres usavam. Dos saiotes.
Não contive um ruído de desprezo.
— Tens algum saiote?
— Tenho uma tanga rendada de nylon bege muito bonita — respondi,
indignada. — Se fosses humano, diria que tentavas fazer‑me
falar sobre a minha roupa interior!
56
Riu‑se, com aquela gargalhada profunda e pouco usada que tanto
me afectava.
— Tens essa tanga vestida, Sookie?
Deitei‑lhe a língua de fora porque sabia que conseguia ver‑me.
Ergui a bainha do vestido, revelando a renda da tanga e mais alguns
centímetros de pele bronzeada.
— Satisfeito? — perguntei.
— Tens umas pernas bonitas, mas continuo a preferir vestidos
compridos.
— És teimoso — disse‑lhe.
— Era o que a minha mulher sempre me dizia.
— Eras casado.
— Sim. Tornei‑me um vampiro aos trinta anos. Tinha mulher e
cinco filhos vivos. Sarah, a minha irmã, vivia connosco. Nunca se casou.
O seu noivo morreu na guerra.
— Na Guerra Civil.
— Sim. Eu regressei do campo de batalha. Tive sorte. Pelo menos,
pensei que sim na altura.
— Lutaste pela Confederação — disse, curiosa. — Se ainda tivesses
a farda e a levasses ao clube, farias as senhoras desmaiar de prazer.
— Quando a guerra chegou ao fim, não restava grande coisa da
farda — explicou, com voz pesarosa. — Estávamos esfarrapados e famintos.
— Pareceu recompor‑se. — Depois de me tornar um vampiro,
deixou de ter qualquer significado — disse, novamente num tom frio
e distante.
— Recordei algo que te incomoda — disse. — Lamento. De que
deveremos falar? — Voltámo‑nos e começámos a descer a estrada em
direcção à casa.
— Sobre a tua vida — respondeu. — Conta‑me o que fazes quando
acordas de manhã.
— Saio da cama. Depois faço‑a imediatamente. Tomo o pequeno‑almoço.
Torrada, às vezes cereais ou ovos, e café. Lavo os dentes,
tomo um duche e visto‑me. Por vezes, rapo as pernas. Se for dia de trabalho,
vou trabalhar. Se só entrar à noite, posso ir às compras ou levar
a avó à loja ou alugar um filme para ver ou apanhar sol. E leio muito.
Tenho sorte por a avó ainda estar tão activa. É ela que lava a louça e
passa a ferro e também é ela que costuma cozinhar.
— E rapazes?
— Já te falei disso. É impossível.
57
— Então que farás, Sookie? — perguntou, com delicadeza.
— Envelhecerei e morrerei. — Notava‑se o desagrado na minha
voz. Tocara um ponto sensível demasiadas vezes.
Para minha surpresa, Bill esticou o braço e pegou‑me na mão.
Agora que nos tínhamos incomodado de forma recíproca, tocando algumas
feridas, o ar parecia mais limpo. No silêncio da noite, uma brisa
fazia dançar o meu cabelo em volta da cara.
— Solta‑o — pediu.
Não havia motivo para não o fazer. Libertei uma mão para soltar
o cabelo. Abanei a cabeça para o desprender. Guardei a mola no bolso
dele porque eu não tinha nenhum. Como se fosse a coisa mais normal
do mundo, Bill começou a passar‑me os dedos pelo cabelo, alisando‑o
até aos ombros.
Toquei‑lhe as patilhas já que parecia ser autorizado o toque.
— São compridas —
comentei.
— Era essa a moda — respondeu. — Sinto‑me feliz por não usar
barba como muitos homens ou tê‑la‑ia durante toda a eternidade.
— Nunca fazes a barba?
— Não. Felizmente, tinha acabado de a fazer quando aconteceu.
— Parecia fascinado pelo meu cabelo. — O luar fá‑lo parecer prata —
disse, baixando muito a voz.
— Ah. O que gostas de fazer?
Consegui perceber o indício de um sorriso na escuridão.
— Também gosto de ler. — Pensou. — Gosto de filmes… claro.
Acompanhei‑os desde o início. Gosto da companhia de pessoas com
vidas comuns. Por vezes, anseio pela companhia de outros vampiros,
apesar de a maioria levar vidas muito diferentes da minha.
Caminhámos em silêncio por um momento.
— Gostas de televisão?
— Por vezes — confessou. — Durante algum tempo, gravava telenovelas
e via‑as à noite quando achava que poderia estar a esquecer‑me
de como era ser humano. Acabei por parar porque, julgando
pelos exemplos que via nesses programas, esquecer a humanidade parecia
algo positivo.
Ri‑me.
Alcançámos o círculo de luz em redor da casa. Quase esperara
que a avó estivesse no baloiço do alpendre à nossa espera, mas não
estava. E apenas uma lâmpada fraca iluminava a sala de estar. Percebi,
com algum desagrado, o que tentara fazer. Era como regressar a
58
casa depois de um primeiro encontro. Pensei mesmo se Bill tentaria
beijar‑me ou não. Com a sua predilecção por vestidos compridos, seria
provável que achasse inaceitável tal comportamento. Mas, por mais
que parecesse estúpido beijar um vampiro, percebi que era o que mais
queria fazer.
Senti um aperto no peito, uma amargura por mais uma coisa que
me era negada. E pensei: porque não?
Parei‑o, puxando‑lhe gentilmente pela mão. Estiquei‑me para
cima e pousei os lábios sobre a sua face reluzente. Senti‑lhe o cheiro,
comum mas vagamente salgado. Usava um pouco de água‑de‑colónia.
Senti‑o estremecer. Voltou a cabeça, fazendo os lábios tocar os
meus. Após um momento, rodeei‑lhe o pescoço com os braços. O seu
beijo aprofundou‑se e afastei os lábios. Nunca fora beijada assim. Prolongou‑se
até pensar que aquele beijo continha todo o mundo, com a
boca do vampiro sobre a minha. Senti a respiração acelerar e comecei
a desejar que outras coisas acontecessem.
Subitamente, Bill afastou‑se. Parecia abalado, o que me agradou
muito.
— Boa noite, Sookie — disse, acariciando‑me o cabelo uma última
vez.
— Boa noite, Bill — respondi. Também eu parecia perturbada.
— Tentarei contactar alguns electricistas amanhã. Mais tarde, transmito‑te
o que disseram.
— Visitas‑me amanhã à noite se não tiveres de trabalhar?
— Sim — disse. Continuava a tentar recompor‑me.
— Vejo‑te então. Obrigado, Sookie. — E voltou‑se para percorrer
a floresta até à sua casa. A sombra das árvores tornou‑o invisível.
Permaneci ali, olhando como uma tonta, até me forçar a entrar e
ir para a cama.
Passei demasiado tempo acordada, pensando se os não‑mortos
conseguiriam realmente… fazê‑lo. Além disso, pensava se seria possível
ter uma discussão franca com Bill acerca do assunto. Por vezes,
parecia muito antiquado e, noutras vezes, parecia tão normal como o
vizinho do lado. Bom… Nem tanto. Mas bastante normal.
Parecia‑me ao mesmo tempo maravilhoso e patético que a primeira
criatura em muitos anos com quem me apetecia ter sexo não fosse
humana. A minha telepatia limitava severamente as opções. Podia
ter sexo apenas pela experiência, claro, mas quis esperar por sexo que
conseguisse dar‑me prazer.
59
E se o fizéssemos e, depois de tantos anos, descobrisse que não tinha
talento? Ou talvez a sensação não fosse agradável. Talvez os livros
e os filmes exagerassem. E também Arlene, que parecia nunca perceber
que a sua vida sexual era um assunto que não me interessava.
Consegui adormecer finalmente, envolvendo‑me em sonhos
complexos e sombrios.
Na manhã seguinte, entre a resposta às perguntas da avó sobre o
passeio com Bill e sobre os nossos planos para o futuro, consegui fazer
alguns telefonemas. Encontrei dois electricistas, um canalizador e outros
especialistas que me deram números de telefone onde poderiam
ser contactados à noite, certificando‑me de que compreenderiam que
uma chamada de Bill Compton não seria brincadeira.
Finalmente, acabei deitada ao sol, bronzeando‑me, quando a avó
me passou o telefone.
— É o teu patrão — disse‑me. A avó gostava de Sam e devia ter
dito alguma coisa para a alegrar porque sorria como o Gato de Cheshire.
— Olá, Sam — disse, possivelmente sem parecer muito satisfeita,
sabendo que alguma coisa teria corrido mal no trabalho.
— A Dawn não veio hoje — disse‑me.
— Oh… bolas — exclamei, sabendo que teria de ser eu a substituí‑la.
— Tenho planos, Sam. — Era a primeira vez que usava aquele
argumento. — Quando precisas que vá?
— Podes vir das cinco às nove? Ajudaria muito.
— Terei direito a outro dia de folga?
— Que tal se a Dawn dividir um turno contigo noutra noite?
A minha resposta foi um ruído rude e a avó olhou‑me com uma
expressão severa. Sabia que teria direito a sermão mais tarde.
— Está bem — acabei por dizer, sem qualquer agrado. — Vemo‑nos
às cinco.
— Obrigado, Sookie — agradeceu. — Sabia que podia contar
contigo.
Tentei não me sentir mal com aquilo. Parecia uma virtude aborrecida.
Era sempre possível contar com a Sookie para ajudar porque
não tem vida própria!
Obviamente, não haveria problema em visitar Bill depois das
nove. De qualquer forma, passaria a noite toda acordado.
O trabalho nunca me pareceu tão lento. Tinha dificuldades em
me concentrar o suficiente para manter a guarda porque pensava cons60
tantemente em Bill. Felizmente não havia muitos clientes ou teria ouvido
muitos pensamentos indesejados. Mesmo assim, descobri que o
período de Arlene estava atrasado e que receava estar grávida. Antes
que conseguisse impedir‑me, abracei‑a. Olhou‑me de forma inquisitiva
e, a seguir, corou.
— Leste‑me os pensamentos, Sookie? — perguntou, com uma expressão
de desagrado. Arlene era das poucas pessoas a aceitar a minha
habilidade sem tentar explicá‑la e sem me considerar uma aberração.
Mas reparei que também não falava frequentemente no assunto.
— Desculpa. Foi sem querer — disse‑lhe. — Não consigo concentrar‑me
hoje.
— Muito bem. Mas mantém‑te fora da minha cabeça a partir de
agora. — E acenou‑me com um dedo à frente da cara, fazendo dançar
os caracóis flamejantes em redor da face.
Senti‑me capaz de chorar.
— Desculpa — voltei a dizer, dirigindo‑me ao armazém para recuperar
a compostura. Precisava de controlar a expressão e reprimir as
lágrimas.
Ouvi a porta abrir‑se atrás de mim.
— Eu pedi desculpa, Arlene! — gritei, querendo ficar sozinha.
Por vezes, Arlene confundia telepatia com a capacidade de prever o
futuro. Receava que me perguntasse se estava realmente grávida. Teria
melhor resultado se comprasse um teste de gravidez.
— Sookie — era Sam. Voltou‑me com uma mão sobre o ombro.
— O que se passa?
O tom de voz era delicado e levou‑me ainda mais perto das lágrimas.
— Devias mostrar‑te zangado para eu não chorar! — disse‑lhe.
Riu‑se, mas não muito. Rodeou‑me com um braço.
— Qual é o problema? — Não desistiria sem uma resposta.
— Oh… eu… — e não consegui continuar. Nunca tinha discutido
de forma explícita o meu problema (era assim que o via) com Sam
ou com qualquer outra pessoa. Todos em Bon Temps conheciam os
rumores sobre os motivos da minha estranheza, mas ninguém parecia
compreender que era forçada a ouvir o seu palavreado mental constante,
quer quisesse ou não, todos os dias, uma e outra vez…
— Ouviste alguma coisa que te perturbasse? — O seu tom era
calmo e directo. Tocou‑me no centro da testa para indicar que sabia
perfeitamente como «ouvia».
61
— Sim.
— Não consegues evitá‑lo, não é?
— Não.
— E odeias que assim seja, não é, querida?
— Oh sim.
— Mas a culpa não é tua, pois não?
—
Tento não ouvir, mas nem sempre consigo manter a guarda.
— Senti uma lágrima, que não consegui conter, deslizar‑me pela face.
— É assim que o fazes? Como manténs a guarda, Sookie?
Parecia realmente interessado, sem pensar que era doida. Ergui
a cara, vendo de perto os olhos azuis, profundos e brilhantes de Sam.
— Eu… é difícil descrever a quem não sabe como é… Ergo uma
vedação… Não. Não é como uma vedação. É como se isolasse o meu
cérebro dos outros com chapas metálicas.
— E tens de manter esse isolamento erguido?
— Sim. Exige muita concentração. É como dividir constantemente
as ideias. É por isso que as pessoas acham que sou maluca. Metade
do meu cérebro tenta manter as defesas erguidas e a outra metade pode
estar ocupada com a recolha de pedidos. Por vezes, não resta grande
coisa para uma conversa coerente. — Que alívio sentia apenas por poder
falar sobre o assunto.
— Ouves palavras ou apenas tens impressões?
— Depende da pessoa que ouço. E do seu estado de espírito. Se
estiverem bêbados ou muito perturbados, são só imagens, impressões,
intenções. Se estiverem sóbrios e tranquilos são palavras e algumas
imagens.
— O vampiro diz que não consegues ouvi‑lo.
Imaginar Bill e Sam a conversarem sobre mim fez‑me sentir estranha.
— É verdade — admiti.
— Isso descontrai‑te?
— Oh sim! — As palavras dificilmente poderiam ser mais sentidas.
— Consegues ouvir‑me, Sookie?
— Não quero tentar! — respondi, prontamente. Aproximei‑me
da porta do armazém e pousei a mão na maçaneta. Tirei um lenço de
papel do bolso dos calções e limpei o rasto da lágrima da cara. — Terei
de me despedir se te ler a mente, Sam! Gosto de ti e gosto de aqui estar.
— Tenta um dia destes, Sookie — disse, casualmente, voltando‑se
62
para abrir uma caixa de whiskey com a lâmina que guardava no bolso.
— Não te preocupes comigo. Terás emprego aqui enquanto o quiseres.
Limpei uma mesa em que Jason entornara sal. Viera algum tempo
antes para comer um hambúrguer com batatas fritas e para beber
um par de cervejas.
Reflectia sobre a proposta de Sam.
Não tentaria ler‑lhe a mente naquela noite. Estaria pronto para
mim. Esperaria até estar ocupado com outra coisa. Poderia ouvir brevemente
o que lhe passava pela cabeça. Convidara‑me a fazê‑lo e isso
era absolutamente novo.
Era agradável ter um convite.
Compus a maquilhagem e escovei o cabelo. Usara‑o solto, porque
Bill parecia gostar, e importunara‑me durante toda a noite. Estava quase
na hora de ir e fui buscar a mala ao gabinete de Sam.
A casa dos Compton, como a da avó, situava‑se a alguma distância da
estrada. Era um pouco mais visível e tinha vista para o cemitério. Isto
devia‑se (pelo menos em parte) ao facto de se situar num ponto de
maior elevação. Ficava no extremo de um relvado e tinha dois pisos
completos. A casa da avó tinha duas divisões adicionais no andar de
cima e um sótão, mas o piso superior não tinha a dimensão do inferior.
Em dado momento da longa história da família, os Compton tinham
possuído uma casa muito agradável. Mesmo na escuridão, notava‑se
no edifício uma certa graça. Mas sabia que a luz do dia revelaria
a tinta soltando‑se em lasca dos pilares, as fracturas no revestimento de
madeira e o jardim assemelhando‑se a uma selva. A humidade quente
do Louisiana facilmente descontrolava a vegetação e o velho Sr. Compton
não fora alguém disposto a contratar alguém para lhe tratar do jardim.
Quando ficou demasiado débil para se ocupar da tarefa, o quintal
reverteu ao estado selvagem.
O caminho circular não era coberto com gravilha nova há muitos
anos e o meu carro estremeceu até à porta dianteira. Vi que a casa estava
totalmente iluminada e comecei a perceber que aquela noite não
seria como a anterior. Havia outro carro parado à frente da casa. Um
Lincoln Continental branco com tejadilho azul‑escuro. Um autocolante
com letras azuis sobre fundo branco no pára‑choques traseiro dizia:
OS VAMPIROS CHUPAM. Outro autocolante vermelho e amarelo
convidava: BUZINE SE FOR DADOR DE SANGUE! Na matrícula
personalizada lia‑se apenas: DENTE 1.
63
Se Bill já tinha companhia, talvez fosse melhor voltar para casa.
Mas fora convidada e era esperada. Hesitando, ergui a mão e bati
à porta.
Esta foi aberta por uma vampira.
Reluzia muito. Tinha quase um metro e oitenta e era negra. Vestia
roupa de material elástico. Um sutiã de desporto rosa como um flamingo
e calças justas da mesma cor até à canela, com uma camisa de
homem desabotoada para completar o conjunto.
Achei que tinha um ar barato e quase certamente irresistível de
um ponto de vista masculino.
— Olá, pequena humana — ronronou a vampira.
E, subitamente, percebi que corria perigo. Bill advertira‑me repetidamente
que nem todos os vampiros eram como ele e que nem ele
escapava a momentos em que não era tão agradável. Não conseguia ler
a mente desta criatura, mas sentia a crueldade na sua voz.
Talvez tivesse magoado Bill. Talvez fosse sua amante.
Todas estas possibilidades me passaram pelo pensamento, mas
nenhuma conseguiu alterar‑me a expressão. Tinha anos de experiência.
Senti o meu sorriso brilhante surgindo‑me na cara como protecção
e endireitei as costas antes de lhe dizer alegremente:
— Olá! O Bill pediu‑me para lhe vir transmitir umas informações.
Está em casa?
A vampira riu‑se, algo a que estava habituada. O meu sorriso tornou‑se
ainda mais brilhante. Esta criatura irradiava perigo como uma
lâmpada irradia calor.
— A pequena humana diz que tem informações para ti, Bill! —
gritou sobre o ombro (atlético, moreno, belo).
Tentei camuflar o alívio que sentia.
— Queres recebê‑la ou devo dar‑lhe uma dentada de amor?
Furiosa, pensei que teria de me matar para conseguir fazê‑lo e,
logo a seguir, percebi que poderia ser precisamente isso que planeava.
Não ouvi a voz de Bill, mas a vampira afastou‑se e entrei na velha
casa. Fugir seria inútil. Conseguiria lançar‑me ao chão antes de completar
cinco passos. Além disso, não vira Bill e não podia ter a certeza
de que estaria bem. Seria corajosa e esperaria o melhor. Tenho muito
jeito para isso.
A grande sala estava apinhada de mobiliário antigo e pessoas.
Não, não eram só pessoas. Percebi‑o depois de olhar melhor. Duas pessoas
e outros dois vampiros desconhecidos.
64
Os dois vampiros eram homens brancos. Um tinha um corte de
cabelo rente e tatuagens cobrindo cada centímetro visível de pele. O
outro era ainda mais alto do que a mulher, talvez passando o metro e
noventa, com cabelo comprido e preto e um físico impressionante.
Os humanos não eram tão impressionantes. A mulher era loura
e anafada, com trinta e cinco anos ou mais. Tinha um quilo de maquilhagem
a mais do que o aceitável. Parecia gasta como uma bota velha.
O homem era diferente. Era encantador. O homem mais bonito que
alguma vez vira. Não podia ter mais de vinte e um anos. Era moreno,
possivelmente hispânico, baixo e de feições bem definidas. Vestia calções
de ganga cortada e mais nada. Além da maquilhagem. Interiorizei
tudo aquilo, mas não me entusiasmou.
A seguir, Bill moveu‑se e vi‑o, de pé nas sombras do corredor
escuro que ia da sala às traseiras da casa. Olhei‑o, tentando perceber
aquela situação inesperada. Para meu desgosto, não pareceu nada tranquilizante.
A sua expressão era neutra, absolutamente impenetrável.
Apesar de não me julgar capaz de tal pensamento, teria sido óptimo
poder ouvir o que lhe passava pela cabeça.
— Agora poderemos ter um serão maravilhoso — disse o vampiro
de cabelo comprido. Parecia encantado. — É uma amiguinha tua,
Bill? É tão fresca.
Ocorreram‑me algumas palavras adequadas que aprendera com
Jason.
— Queiram desculpar‑nos por um instante — disse, muito delicadamente,
como se fosse uma ocasião perfeitamente normal. — Tenho
contactado trabalhadores para se ocuparem da casa. — Tentei parecer
sóbria e impessoal, apesar de os calções, a camisola e os ténis Nike não
inspirarem grande profissionalismo. Mas esperei conseguir transmitir
que as pessoas agradáveis que encontrei ao longo do meu dia de trabalho
não poderiam constituir qualquer ameaça ou perigo.
— Ouvimos dizer que o Bill cumpria uma dieta exclusiva de sangue
sintético — disse o vampiro tatuado. — Parece que fomos enganados,
Diane.
A vampira inclinou a cabeça e lançou‑me um olhar demorado.
— Não teria tanta certeza. Parece‑me ser virgem.
Desconfiei que Diane não falava de hímenes.
Dei alguns passos casuais em direcção a Bill, esperando que me
defendesse se a situação se complicasse, mas sem conseguir ter certezas
absolutas. Continuava a sorrir, esperando que falasse ou se movesse.
65
E foi o que fez.
— A Sookie pertence‑me — disse. E a sua voz era tão fria e suave
que, se fosse uma pedra lançada a um lago, não teria provocado qualquer
ondulação.
Olhei‑o com severidade, mas tive a clareza de ideias suficiente
para manter a boca fechada.
— Tens cuidado bem do nosso Bill? — perguntou Diane.
— Mete‑te na puta da tua vida — respondi, empregando uma das
palavras de Jason e sem deixar de sorrir. Tenho mau feitio.
Seguiu‑se uma pausa breve e tensa. Todos, humanos e vampiros,
pareceram examinar‑me com minúcia suficiente para contar os pêlos
nos meus braços. A seguir, o mais alto começou a rir e os outros imitaram‑no.
Enquanto gargalhavam, aproximei‑me um pouco mais de Bill.
Os seus olhos escuros estavam fixos nos meus. Não se ria. E percebi
distintamente que desejava, tanto quanto eu, que conseguisse ler‑lhe
os pensamentos.
Consegui perceber que corria algum perigo. E, nesse caso, também
eu.
— Tens um sorriso estranho — disse o vampiro alto, recuperando
a postura séria. Preferia que tivesse continuado a rir.
— Malcolm — disse Diane —, todas as fêmeas humanas são estranhas
para ti.
Malcolm puxou o humano para si e aplicou‑lhe um longo beijo.
Senti‑me um pouco enojada. Aquele tipo de coisa devia ser mantido
em privado.
— É verdade — confirmou Malcolm, afastando‑se após um momento,
para aparente desilusão do homem. — Mas esta tem algo raro.
Talvez tenha um sangue apetecível.
— Oh — exclamou a loura numa voz capaz de lixar tinta. — É só
a doida da Sookie Stackhouse.
Olhei‑a com mais atenção. Reconheci‑a, depois de apagar
mentalmente alguns quilómetros de estrada dura e metade da maquilhagem.
Janella Lennox trabalhara no Merlotte’s durante duas
semanas até Sam a despedir. Arlene contou‑me que se mudara para
Monroe.
O vampiro tatuado rodeou‑a com o braço e acariciou‑lhe os seios.
Sentia o sangue fugir‑me da cara. Já estava enojada. Piorou ainda mais.
Janella, tão alheia à decência como o vampiro, pousou‑lhe a mão entre
as pernas e massajou.
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Serviu, pelo menos, para ver claramente que os vampiros podiam
ter sexo.
Mas essa percepção pouco contribuiu para me excitar naquele
momento.
Malcolm observava‑me e não consegui esconder o desagrado.
— É inocente — disse a Bill, com um sorriso pleno de avidez.
— É minha — repetiu Bill. Desta vez, num tom de voz mais intenso.
Se fosse uma cascavel, o aviso não poderia ser mais claro.
— Bill, não me convences de que essa coisinha te dá tudo o que
precisas — disse Diane. — Pareces pálido e abatido. Não tem cuidado
bem de ti.
Aproximei‑me mais um centímetro de Bill.
— Porque não provas a mulher do Liam — sugeriu Diane, que eu
começava a odiar — ou Jerry, o rapazinho bonito do Malcolm.
Janella não reagiu à oferta, talvez por estar demasiado ocupada
a abrir o fecho das calças de Liam, mas Jerry, o atraente namorado de
Malcolm, deslizou prontamente até Bill. Eu sorri com os dentes cerrados,
quase sentindo os maxilares estalar, quando rodeou Bill com
os braços, cheirando‑lhe o pescoço e esfregando‑lhe o peito contra a
camisa.
O esforço na expressão do meu vampiro era uma visão terrível.
Os caninos expuseram‑se e, pela primeira vez, vi‑os na sua máxima
dimensão. Era verdade que o sangue sintético não satisfazia todas as
suas necessidades.
Jerry começou a lamber um ponto na base do pescoço de Bill. O
esforço de manter as defesas começava a ser demasiado. Com três dos
presentes sendo vampiros, cujos pensamentos não conseguia ouvir, e
com Janella ocupada, sobrava Jerry. Ouvi e choquei‑me.
A tentação fazia estremecer Bill e baixava a cabeça para cravar os
caninos no pescoço de Jerry quando gritei:
— Não! Ele tem o sino‑vírus!
Como se fosse subitamente liberto de um encanto, Bill olhou‑me
sobre o ombro de Jerry. A sua respiração era ofegante, mas retraiu os
caninos. Aproveitei o momento para me aproximar mais até ficar a um
metro de Bill.
— Sino‑SIDA — disse.
Vítimas alcoolizadas e drogadas afectavam temporariamente os
vampiros e dizia‑se que alguns apreciavam os efeitos, mas o sangue de
um humano com SIDA activa não tinha efeito, sucedendo o mesmo
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com as doenças transmitidas sexualmente ou outros vírus que afligiam
os humanos.
Com a excepção da sino‑SIDA. Nem a sino‑SIDA conseguia
matar os vampiros com a eficácia com que o vírus da SIDA mata
humanos, mas deixava os não‑mortos muito fracos durante quase
um mês, sendo relativamente fácil apanhá‑los e cravar‑lhes uma
estaca durante esse período. E, ocasionalmente, se um vampiro se
alimentasse de um humano infectado mais do que uma vez, acabaria
por morrer (novamente?) sem necessidade de estaca. Ainda era
raro nos Estados Unidos, mas o sino‑vírus tornava‑se mais comum
em portos como Nova Orleães, onde marinheiros e outros viajantes
de muitos países chegavam à cidade dispostos a passar um bom
bocado.
Os vampiros ficaram imóveis, olhando Jerry como se fosse a morte
disfarçada e, para eles, talvez fosse.
O rapaz apanhou‑me de surpresa. Voltou‑se e lançou‑se sobre
mim. Não era um vampiro, mas era forte. Obviamente, a doença não se
manifestara há muito tempo. Conseguiu projectar‑me contra a parede
à minha esquerda. Rodeou‑me o pescoço com a mão e ergueu a outra
para me esmurrar a cara. Erguia os braços para me proteger quando a
mão de Jerry foi travada e o seu corpo se imobilizou.
— Larga‑lhe o pescoço — disse Bill, com uma voz tão assustadora
que conseguiu assustar‑me a mim. Os sustos sucediam‑se a um ritmo
tão avassalador que achei não conseguir voltar a sentir‑me segura. Mas
os dedos de Jerry não me largaram e, sem querer, emiti um pequeno
ruído de desconforto. Olhei para o lado e, pela expressão lívida de
Jerry, percebi que Bill lhe segurava a mão, Malcolm puxava‑o pelas
pernas e Jerry estava tão assustado que não conseguia perceber o que
esperavam dele.
A sala começou a tornar‑se turva e as vozes iam a vinham. A
mente de Jerry embatia contra a minha. Não conseguia mantê‑lo fora.
Tinha a cabeça repleta de visões do amante que lhe transmitira o vírus,
um amante que o trocara por um vampiro, um amante que Jerry assassinara
num ímpeto de raiva assassina. Via a morte aproximar‑se sob
a forma dos vampiros que quisera matar e não estava satisfeito com a
vingança concretizada pelos que conseguira infectar.
Conseguia ver a cara de Diane sobre o ombro de Jerry e percebi
que sorria.
Bill partiu o pulso de Jerry.
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Este gritou e caiu ao chão. O sangue voltou a chegar‑me ao cérebro
e quase desmaiei. Malcolm ergueu Jerry e levou‑o até ao sofá
de forma tão casual como se transportasse um tapete enrolado. Mas
a expressão de Malcolm era tudo menos casual. Soube que Jerry teria
sorte se morresse depressa.
Bill colocou‑se à minha frente, ocupando o lugar onde antes se
erguera Jerry. Os seus dedos, os dedos que tinham acabado de partir um
pulso, massajaram‑me o pescoço com a delicadeza da minha avó. Pousou‑me
um dedo sobre os lábios para assegurar que guardaria silêncio.
Depois, rodeando‑me com um braço, voltou‑se para encarar os
outros vampiros.
— Isto foi muito divertido — disse Liam. A sua voz era fria, como
se Janella não lhe aplicasse uma massagem íntima sobre o sofá. Não
se movera durante todo o incidente. Tinha tatuagens que só agora se
tornavam visíveis e que nunca teria conseguido imaginar. Senti‑me à
beira do vómito. — Mas acho que devo voltar a Monroe. Temos de dar
um passeio com Jerry quando acordar, não é, Malcolm?
Malcolm deitou o corpo inconsciente de Jerry sobre o ombro e
acenou a cabeça a Liam. Diane parecia desiludida.
— Rapazes — protestou —, não descobrimos como a pequena
soube. Os dois vampiros olharam‑me em simultâneo. De forma muito
casual, Liam perdeu um segundo para atingir o clímax. Sim, os vampiros
conseguiam realmente fazê‑lo. Já não restavam dúvidas. Após um
breve suspiro de satisfação, disse:
— Obrigado, Janella. É uma boa pergunta, Malcolm. Como sempre,
a nossa Diane foi directa ao assunto. — E os três vampiros visitantes
riram como se aquilo fosse uma excelente piada, mas, para mim,
fora tenebrosa.
— Ainda não consegues falar, não é, querida? — Bill apertou‑me
o ombro enquanto perguntava, como se não conseguisse perceber a
dica.
Abanei a cabeça.
— Talvez eu conseguisse fazê‑la falar — disse Diane.
— Estás a esquecer‑te, Diane — disse Bill, com delicadeza.
— Ah, sim. É tua — recordou Diane. Mas não parecia demasiado
convencida.
— Teremos de combinar outra visita — disse Bill. A sua voz deixava
claro que os outros teriam de partir ou enfrentá‑lo.
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Liam ergueu‑se, puxou o fecho das calças e fez um gesto à sua
humana.
— Vamos, Janella. Estamos a ser despejados. — As tatuagens moviam‑‑se
sobre os seus braços enquanto se esticava. Janella passou‑lhe
as mãos pelas costelas, como se não conseguisse impedir‑se de lhe tocar,
e foi enxotada sem esforço, como se fosse apenas uma mosca. Pareceu
vexada, mas não destroçada como eu me sentiria. Obviamente,
não se tratava de uma forma de tratamento nova.
Malcolm levou Jerry pela porta fora sem mais uma palavra. Se
tivesse contraído o vírus por beber o sangue de Jerry, este ainda não
se manifestara. Diane foi a última a sair, lançando uma bolsa sobre o
ombro e despedindo‑se com um olhar brilhante.
— Deixo os dois pombinhos a sós. Foi divertido, amor — disse,
antes de fechar a porta atrás de si.
Assim que ouvi o motor do carro lá fora, desmaiei.
Nunca me acontecera tal coisa em toda a vida e esperei que não
voltasse a acontecer, mas achei que tinha justificação para isso.
Parecia comum ficar inconsciente quando Bill estava por perto.
Tratava‑se de um pensamento crucial e sabia que merecia reflexão cuidada,
mas não naquele momento. Quando recuperei os sentidos, recordei
tudo o que vira e ouvira e o enjoo venceu‑me. De imediato, Bill
fez‑me curvar sobre o braço do sofá, mas consegui manter a comida no
estômago, talvez por não ter comido grande coisa.
— Todos os vampiros se comportam assim? — sussurrei. Tinha o
pescoço dorido onde Jerry apertara. — Foram horríveis.
— Tentei apanhar‑te no bar quando descobri que não estavas em
casa — disse Bill. A sua voz era neutra. — Mas já tinhas saído.
Apesar de saber que não ajudaria, comecei a chorar. Tinha a certeza
de que Jerry morreria e senti que deveria ter feito alguma coisa para
o impedir, mas não podia ficar calada quando estava prestes a infectar
Bill. Havia tantas coisas naquele pequeno episódio a perturbarem‑me
tão profundamente que não sabia por onde começar. Num período que
teria rondado os quinze minutos, receara pela vida, receara pela vida
de Bill (pela sua existência, pelo menos), fora forçada a presenciar actos
sexuais que deveriam ser privados, vira o meu potencial namorado
possuído por uma luxúria sanguinária (com ênfase na luxúria) e quase
fora estrangulada até à morte por um prostituto doente.
Pensando melhor, permiti‑me chorar. Endireitei as costas e chorei,
secando a cara com o lenço que Bill me passara. A minha curiosi70
dade acerca dos motivos que levariam um vampiro a precisar de um
lenço eram apenas uma centelha de normalidade entre a torrente nervosa
das lágrimas.
Bill foi suficientemente sensato para não me abraçar. Sentou‑se
no chão e afastou graciosamente os olhos enquanto me assoava.
— Quando os vampiros vivem em ninhos — disse, subitamente
—, é frequente tornarem‑se mais cruéis porque se incentivam uns aos
outros. Convivem diariamente com outros vampiros e recordam como
estão distantes dos humanos. Passam a viver segundo regras próprias.
Vampiros como eu, que vivem sozinhos, recordam melhor a anterior
humanidade.
Ouvi a sua voz tranquilizante, enquanto se esforçava lentamente
para me explicar o inexplicável.
— Sookie, a nossa vida é sedutora e cativante e assim tem sido
durante séculos, para alguns de nós. O sangue sintético e a aceitação
receosa dos humanos não mudarão isso do dia para a noite. Ou mesmo
numa década. Diane, Liam e Malcolm estão juntos há cinquenta
anos.
— Que adorável —
disse, notando algo na voz que nunca antes
sentira: azedume. — Estão a comemorar as bodas de ouro.
— Conseguirás esquecer isto? — perguntou Bill. Os seus enormes
olhos escuros aproximaram‑se cada vez mais. A sua boca estava a cinco
centímetros da minha.
— Não sei. — As palavras saíram‑me sem sequer pensar. — Sabes
que não tinha a certeza de que seriam capazes?
Ergueu as sobrancelhas sem perceber.
— Capazes de quê?
— De… — e parei, tentando pensarnuma forma menos desagradável
de referir o assunto. Vira mais obscenidade naquela noite do que
em toda a vida e não queria dar também o meu contributo. — De uma
erecção — disse, evitando‑lhe o olhar.
— Agora já sabes. — Parecia esforçar‑se por não rir. — Podemos
ter sexo, mas não podemos gerar crianças ou dá‑las à luz. Não te faz
sentir melhor que Diane não possa ter filhos?
Estourei os fusíveis. Abri muito os olhos e fitei‑o com firmeza.
— Não… te… rias… de… mim.
— Oh, Sookie — disse, erguendo a mão para me tocar na face.
Esquivei‑me e ergui‑me com esforço. Ele não me ajudou e ainda
bem. Permaneceu sentado no chão, olhando‑me com uma expressão
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inabalável e indefinida. Os seus caninos permaneciam retraídos, mas
continuava a ter fome. Era pena.
A minha mala estava no chão junto à porta. Não caminhava com
grande segurança, mas caminhava. Tirei a lista de electricistas do bolso
e deixei‑a sobre uma mesa.
— Tenho de ir.
E ali estava ele, à minha frente. Voltara a fazer uma daquelas coisas
que os vampiros faziam.
— Posso dar‑te um beijo de boas noites? — perguntou, com as
mãos caídas ao longo do corpo, deixando bem claro que não me tocaria
até o autorizar.
— Não — respondi, com veemência. — Não depois deles.
— Irei visitar‑te.
— Sim. Talvez.
Esticou‑se para me abrir a porta, mas achei que se esticava para
mim e estremeci.
Voltei‑me e quase corri para o carro, com as lágrimas novamente
a toldar‑me a visão. Congratulei‑me por a viagem até casa ser tão curta.
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