sexta-feira, 7 de maio de 2010

"A loira fantasma", por Noel Nascimento (parte 1)

Trago-vos aqui um pouco de uma história, escrita por Noel Nascimento.
Será publicado em 6 partes.
Amanha terão a segunda parte. Na última, terão mais uma parte, junto de um desafio.
Espero que gostem!

"A loira fantasma" (parte 1)

Quando a cidade se biparte à meia-noite, garis fazem a coleta do lixo, as mariposas revoluteiam a luz das lâmpadas, movimenta-se nas ruas o submundo. Praças desertas faíscam, prédios macabros margeiam calçadas com bêbados estirados, passeiam as assombrações. Vagam duplos de celerados e há larápios encapuzados pelas trevas. Nas largas alamedas, os bruxos feito arbustos agitam as vassouras de folhas.
A ditadura age na madrugada. Carrascos, com um Cristo metálico acorrentado ao pescoço e o demônio nos corações, arrancam gritos de estertor dos torturados.
Surgindo dos becos escuros, mirando-se na lua, a Loura Fantasma revela a face oculta do mundo. A Curitiba adormecida não vê o crime, a cidade sangrando na madrugada. A cidade que de dia sorri, chora refletida pelo espelho da noite. Ainda bem que há seres, talvez anjos, zelando pela paz dos inocentes.
Wilmar não era sonâmbulo, porém presa fácil. Moço pálido, de olhos claros, tinha ponto de táxi na Praça Osório e, até quando o sol raiava, fazia corrida para as bailarinas e os freqüentadores de boates e inferninhos. De volta do "Gogó da Ema", passara pela funerária e sentira um calafrio ao fixar os olhos na grande cruz roxa iluminada sinalizando a morte. Começou a sentir o peso da sua cruz quando parou para apanhar a passageira loura, de cabelos luminosos, que vestia um casaco negro de pelo sobre o qual pendia reluzente colar de pérolas de várias voltas. Os dentes brilhavam como as contas do colar. Versão oficial.
- Siga até o cemitério do Abranches.
- Sim, senhora - respondeu sem saber se falara ou se transmitira o pensamento.
Wilmar drogava-se para dirigir acordado, mas desconfiou que estava sonhando ao ver a passageira sumir e reaparecer para, finalmente, evaporar-se no ar. Trêmulo de medo, retornou ao centro em alta velocidade e relatou o fenômeno aos agentes João Cunha e Artigas, que o ouviram espantados na viatura policial.
- Vamos para lá - decidiu Artigas, após comunicar a ocorrência ao Centro de Operações.
- O táxi na frente. Se "ela" aparecer, dá sinal de luz - disse João Cunha a Wilmar.
Wilmar dirigia alucinado, estremeceu ao virar-se para trás e ver a bordo a mesma passageira.
- Siga até o cemitério - repetiu-lhe ela.
Embora submetido ao domínio da aparição, ainda assim Wilmar acionou o pisca-pisca, alertando a polícia. Entretempo, na funerária do restaurador de cadáveres Diamond, a bomba d'água explodiu misteriosamente e a urna mortuária mais luxuosa caiu do suporte, partindo-se no chão.
E na viatura que perseguiu Wilmar, os agentes viram que a árvore defronte ao prédio 2.362, na Mateus Leme, onde a passageira embarcara na primeira vez, deslocou-se para longe, voltando depois ao lugar. Ao perceberam o sinal, também teriam visto a loura a bordo do taxi.
- Olha "ela" dentro do "fuque"!
Subitamente, a loura atirou-se gargalhando sobre o pobre Wilmar. Quis esganá-lo, agarrou-lhe o pescoço, tentando arrancar-lhe a alma. Fora de si, Wilmar se achava ao volante de uma bólide a ponto de penetrar num outro plano de vida, porém pisou no freio, e o taxi derrapou, corrupiando na pista. João Cunha desceu rapidamente do carro policial e abriu a porta do táxi.
- Saia! - gritou, puxando a loura violentamente pelos braços, sem poder salvar o sufocado Wilmar. Incontinente, com o revólver atingiu-a com três tiros à queima-roupa. O último, no meio da testa, fez o sangue cobrir-lhe o rosto. Desmaiado, Wilmar foi arrastado pelos agentes à beira da Rodovia dos Minérios.
Cundiberto, sonhando à janela do quarto, detrás de sua fabriqueta de móveis, e sua vizinha Bastiana ouviram a bulha, os estampidos, mas não foram doidos de saírem de dentro da casa.
- Nossa, quanto sangue! - exclamara um rapaz que chegara num automóvel.

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