quarta-feira, 5 de maio de 2010

SAngue Furtivo: 1º capitulo, parte 1

Olá!

Para quem ainda não teve oportunidade de ler o "Sangue Furtivo", como eu, poderá gostar deste poste.
Eu vou, a partir de hoje publicar todos os dias, uma parte do primeiro capitulo, todos os dias, durante 15 dias, ou seja, o primeiro capitulo será divido aqui em 15 partes.
Espero que gostem, e aqui fica a primeira parte do capitulo de Charlaine Harris.

Capítulo 1 (parte 1)

Soube que o meu irmão se transformaria numa pantera antes dele. No caminho para a encruzilhada remota onde se situava a povoação de Hotshot, observou o pôr-do-sol em silêncio. Jason vestia roupa velha e trazia um saco do Wal-Mart, contendo algumas coisas de que poderia precisar (escova de dentes, roupa interior limpa). Encolhia- se no interior do seu volumoso casaco de camufl ado, olhando em frente. A necessidade de controlar o medo e a excitação deixava-lhe a face tensa.
— Tens o telemóvel no bolso? — perguntei, percebendo logo que as palavras me deixaram os lábios que já tinha feito aquela pergunta.
Mas Jason acenou afi rmativamente com a cabeça em vez de manifestar desagrado. Estávamos a meio da tarde, mas, no início de Janeiro, a noite chega cedo.
Naquela noite, teríamos a primeira lua cheia do novo ano. Quando parei o carro, Jason voltou-se para me olhar e, mesmo com a luz ténue, percebi a mudança nos seus olhos. Tinham deixado de ser azuis como os meus. Estavam amarelados. A sua forma tinha mudado.
— Sinto a cara estranha — disse-me. Mas continuava sem somar dois mais dois. A minúscula Hotshot estava silenciosa e tranquila na luz decrescente.
Um vento frio soprava sobre os campos nus e os pinheiros e carvalhos tremiam com as rajadas de ar gélido. Via-se apenas um homem. Estava de pé à porta de uma das pequenas casas, a que tinha sido pintada recentemente. Mantinha os olhos fechados e a sua face barbuda erguia-se para o céu cada vez mais escuro. Calvin Norris esperou que Jason saísse pela porta do meu velho Nova antes de se aproximar, debruçando-se para a minha janela. Abri-a.
Os seus olhos de um verde dourado eram tão perturbadores como eu recordava e o resto do seu corpo era perfeitamente discreto. Baixo, grisalho, encorpado, assemelhava-se a centenas de outros homens que vira no Merlotte’s Bar. Apenas os olhos o tornavam diferente.
— Cuidarei dele — disse. Atrás, Jason mantinha-se de costas voltadas para mim. O ar em redor do meu irmão adquiria uma qualidade peculiar. Parecia vibrar.
Nada daquilo era culpa de Calvin Norris. Não fora ele a morder o meu irmão, transformando-o para sempre. Calvin, um metamorfo que se transformava em pantera, nascera assim. Era a sua natureza.
Forcei-me a dizer:
— Obrigada.
— Levo-o a casa de manhã.
— Para a minha casa, por favor. É lá que tem a carrinha.
— Muito bem. Boa noite. — Voltou a erguer a face para o vento e senti que toda a povoação esperava a minha partida, por trás das suas janelas e portas. Foi o que fiz.
Jason bateu-me à porta às sete horas da manhã seguinte. Trazia o seu pequeno saco do Wal-Mart, mas não usara nada do que continha. Tinha nódoas negras na cara e as mãos cobertas de arranhões. Não disse uma palavra. Limitou-se a fi tar-me quando lhe perguntei como estava
e passou por mim, entrando na sala de estar e seguindo pelo corredor.
Fechou a porta da casa de banho com um clique determinante. Um segundo depois, ouvi a água correr e não contive um suspiro fatigado.
Apesar de ter trabalhado, chegando a casa cansada por volta das duas da manhã, não dormira grande coisa.
Quando Jason saiu, preparara-lhe bacon com ovos. Sentou-se à velha mesa da cozinha com uma expressão de agrado: um homem fazendo uma coisa familiar e agradável. Mas, após fi tar o prato durante um segundo, levantou-se com um salto e correu de volta à casa de banho, fechando a porta com um pontapé depois de entrar. Ouvi-o vomitar uma e outra vez.
Esperei do outro lado da porta, impotente, sabendo que não queria que entrasse. Após um momento, regressei à cozinha para despejar a comida no lixo, envergonhada pelo desperdício, mas absolutamente incapaz de me forçar a comer.
Quando Jason regressou, disse apenas:
— Café?
Estava verde e parecia dorido.
— Estás bem? — perguntei, não sabendo se conseguiria responder ou não. Enchi-lhe a caneca com café.
— Sim — respondeu, após um momento, como se tivesse sido necessário pensar no assunto. — Foi a experiência mais incrível da minha vida.
Por um segundo, achei que se referisse ao facto de vomitar na minha casa de banho, mas essa experiência não teria nada de novo para Jason. Bebera muito na adolescência até perceber que não havia nada de encantador ou atraente em fi car debruçado sobre uma sanita, expelindo o conteúdo do estômago.
— A transformação — arrisquei.
Acenou afi rmativamente, aninhando a chávena de café nas mãos.
Manteve a face sobre o vapor que se erguia do líquido quente, intenso e negro. Olhou-me. Os seus olhos tinham retomado o seu azul costumeiro.
— A explosão de adrenalina é incrível — disse. — Porque fui mordido e não nasci assim, não consigo tornar-me uma pantera genuína como os outros.
Conseguia ouvir-lhe a inveja na voz.
— Mas até aquilo em que me transformo é espantoso. Sentes a magia dentro de ti e sentes que os ossos se movem e se adaptam. E a tua visão muda. A seguir, fi cas mais perto do chão e caminhas de uma forma completamente diferente. E há a corrida. Consegues correr como o raio. Consegues perseguir... — Calou-se.
De qualquer forma, preferia não saber aquela parte.
— Então não é assim tão mau? — perguntei, mantendo as mãos unidas. Jason era a família que me restava, com excepção de uma prima que se perdera anos antes no submundo da droga.
— Não é assim tão mau — concordou Jason, forçando um sorriso.
— É óptimo enquanto és o animal. Tudo se torna tão simples. É quando voltas a ser humano que começas a preocupar-te com as coisas. Não se sentia suicida. Não se sentia revoltado. Não percebi que sustinha o fôlego até o libertar.
Jason conseguiria viver com o que o destino lhe atribuíra. Ficaria bem.

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